São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2002

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O general Vernon Walters e o Brasil



Considero que o general Walters foi um grande amigo do Brasil. Ele nos conheceu na guerra e na paz


A morte repentina do general Vernon Walters, no dia 10 último, causou um grande pesar aos seus numerosos amigos brasileiros, principalmente aos veteranos de guerra da Força Expedicionária Brasileira, a FEB, em cujas fileiras ele serviu como oficial de ligação com o nosso comandante, o general Mascarenhas de Morais.
Quando a FEB chegou ao teatro de operações da Itália, o general Mark Clark, comandante do 5º Exército norte-americano, que o tinha como ajudante de ordens, cedeu-o ao general Mascarenhas de Morais, para facilitar o entendimento de comando com a tropa brasileira, já que o então capitão Walters falava fluentemente o português.
Sobre a personalidade do general Walters no cenário internacional, como militar e diplomata, não vou me estender, pois escolhi como tema as suas relações com o Brasil. Entretanto não posso deixar de destacar que foi assessor especial de quatro presidentes dos Estados Unidos, Truman, Eisenhower, Johnson e Nixon, acompanhando-os nas entrevistas com os chefes de governos estrangeiros nos anos difíceis do pós-guerra.
Extraordinário poliglota, falava fluentemente mais seis idiomas -alemão, espanhol, francês, holandês, italiano e russo. Especializado no serviço de inteligência, desempenhou missões de adido militar na Itália, Brasil e França. Ao deixar o Exército, foi vice-diretor e diretor interino da CIA, embaixador itinerante para casos especiais, embaixador dos Estados Unidos na ONU e embaixador em Bonn, na antiga Alemanha Ocidental.
O primeiro contato do capitão Walters com o Brasil deu-se em 1943, por ocasião da visita do nosso então ministro da Guerra, o general Eurico Gaspar Dutra, aos Estados Unidos. Foi designado para acompanhar o nosso ministro. Quando de regresso, o general Dutra solicitou ao governo de Washington que proporcionasse ao capitão Walters alguns dias de férias para vir conhecer o nosso país. Concedida a licença, o capitão Walters veio ao Brasil incluído na comitiva do ministro Dutra.
Desde então, o destino de Walters o manteve ligado ao Brasil. Por ocasião da organização e preparo da FEB para as operações em teatro europeu, o capitão Walters exerceu aqui várias atribuições de assessoria, entre as quais, em dezembro de 1943, a de acompanhar a comissão precursora que, sob a chefia do general Mascarenhas de Morais e composta por oficiais de seu Estado-Maior, viajou para a África e Europa a fim de tomar o primeiro contato com o teatro de operações onde iria atuar a tropa brasileira da FEB. Após essa passagem pelo Brasil, foi designado ajudante de ordens do general Mark Clark.
Como já havíamos referido, ao chegar a FEB à Itália, o comandante do 5º Exército norte-americano o designou para servir junto à nossa tropa. Durante toda a campanha da Itália, foi um assessor admirável de nosso comandante. Por ocasião do regresso da FEB, permaneceu algum tempo servindo na Comissão Mista Brasil-Estados Unidos. Voltou para cá nas comitivas dos presidentes Eisenhower e Nixon.
A visita do presidente Eisenhower coincidiu com a inauguração de Brasília e o acontecimento o empolgou tanto que decorou e repetia constantemente, até morrer, as palavras do presidente Juscelino gravadas em letras douradas na entrada do Palácio da Alvorada: "Aqui neste alto planalto central, no meio desta solidão que amanhã será o centro das grandes decisões da vida nacional, lanço meus olhos uma vez mais na direção do amanhã de meu país, e encaro essas alvoradas vindouras com fé ilimitada nos seus grandes destinos". Na última vez que nos visitou, nos dias 6, 7 e 8 últimos, repetiu, ainda uma vez, esta mensagem de fé no nosso destino.
Novamente voltou ao Brasil, em 1962, nomeado adido militar e aqui foi promovido a general. Por ter convivido diariamente, durante quase um ano, com os principais comandantes e oficiais de Estado-Maior da FEB, tinha no Brasil um seleto círculo de amizade. Eram seus amigos íntimos, por exemplo, os generais Mascarenhas de Morais, Cordeiro de Farias, Castello Branco, Ademar de Queiroz, entre muitos outros coronéis e oficiais de menor posto.
Sempre foi considerado, aqui, veterano da FEB, o que o era legitimamente. Sempre foi também acoimado de ter interferido no movimento que derrubou João Goulart. Desmente essa acusação um telegrama seu de adido militar ao Departamento de Estado, informando que estava para eclodir um movimento revolucionário no Brasil, tendo como centro de operações a cidade de Porto Alegre, coisa que nunca passou pela cabeça dos conspiradores.
Entre os vários livros que escreveu, dois o consagram como escritor de grande conhecimento da política e da estratégia internacional: "Silent Missions" ("Missões Silenciosas") e "The Might and the Meek" ("Poderosos e Humildes"), ambos traduzidos já em vários idiomas.
Considero que o general Walters foi um grande amigo do Brasil. Ele nos conheceu na guerra e na paz e nos dedicou calorosa e fraternal amizade, que deixou comprovada, se outras provas não houvesse, nos livros que escreveu, hoje espalhados pelo mundo em vários idiomas, nos quais o Brasil ocupa sempre posição de realce.

Carlos de Meira Mattos, 88, general reformado do Exército e veterano da Segunda Guerra Mundial, é doutor em ciência política e conselheiro da Escola Superior de Guerra.



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