São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A educação religiosa nas escolas

ARNALDO NISKIER

A educação religiosa nas escolas públicas corresponde a um direito da pessoa humana. Logo, um direito dos nossos alunos e de suas famílias. Se é verdade que a escola tem um dever supletivo de atendimento às famílias e aos indivíduos no que eles possuem de direito proveniente da natureza, é claro que em meio a esse dever supletivo generalizado ressalta o de atendimento e de respeito à liberdade religiosa da pessoa humana.


A pesquisa científica mais profunda, os anseios de bondade, de justiça e de libertação estão a exigir o apoio da religião


Mesmo porque, também, é evidente que "a religião é precisamente uma reivindicação ao mesmo tempo da ciência, do sentimento e da fé". (E. Boutroux, "Science et Religion"). A pesquisa científica mais profunda, os anseios de bondade, de justiça e de libertação, bem assim o próprio anelo do Absoluto, tão inerentes à criatura humana, estão a exigir o apoio da religião.
A fim de que o educando não venha a mergulhar no vazio, depois de tantas escaladas do saber humano, o que se torna essencial e indispensável "é opor ao mundo que nos cerca uma outra espécie de existência, uma nova ordem de coisas superior, divisar a realidade total em diferentes reinos e diferentes mundos" (J. Benrubi, "A verdade da Religião"). O que, evidentemente, só se conseguirá através de uma educação religiosa, de natureza econômica, em paralela a uma educação de assuntos profanos.
É essencial que haja, no currículo pleno da escola, a inserção da educação religiosa. Para que haja, na formação do educando, a contribuição mútua entre ciência e fé. Para que se tenha, de fato, uma formação integral do aluno, de modo a tornar satisfeitos todos os anseios do seu eu. Para que, de fato, educar seja uma arte que prepare a personalidade do cidadão, a fim de que ele possa usar bem da sua própria liberdade. E isto em benefício próprio, da sua família e da comunidade.
A presença de educação religiosa nas escolas do Estado é uma injunção da legislação brasileira. E não há, em matéria de educação, assunto que mais extensamente seja previsto na lei. À luz da legislação do país e do Estado, a educação religiosa é, por conseguinte, um assunto indiscutível. Dele, portanto, não podemos abrir mão, especialmente nós, administradores escolares. É o nosso desejo na condução do sistema de ensino do Rio de Janeiro, hoje com 1.608 escolas.
Há uma outra razão que justifica a inserção da educação religiosa no currículo pleno das escolas oficiais do Estado. Um motivo que emerge da relação profunda e intrínseca de que se reveste a sua determinação em cotejo com as demais expressões contidas em outros artigos das normas legais.
Especialmente, quando analisamos os fins e os objetivos propostos pelo legislador à educação nacional. Se é rica a filosofia de educação por que se rege o país, ela o é, sobretudo, porque prevê a necessidade de atendimento de uma educação religiosa ao lado de uma extensa educação profana. Sobretudo, porque ela se esteia no completo tripé de uma formação tríplice: humana, técnica e religiosa. Só assim podemos enriquecer os valores de que deve se nutrir a relação ensino-aprendizagem.
Para o legislador brasileiro, que estabelece fins e objetivos humanísticos para a educação nacional, um humanismo autêntico não pode ser arreligioso, nem muito menos anti-religioso. Qualquer esforço de humanização sem religião seria a construção da tragédia humana e certamente tornaria o homem profundamente desumano. A razão mais profunda da dignidade da pessoa, o motivo mais concreto que leva ao respeito dessa dignidade, o que mais seguramente propicia a auto-realização e o melhor trabalho, estão na crença em Deus e no desenvolvimento da vida de acordo com essa crença.
É claro que tudo na escola deve conspirar e conspira para a expansão do aluno em todas as suas potencialidades. Mas também é igualmente claro que a educação religiosa fundamenta a própria base desse desenvolvimento, isto é, a compreensão e o respeito da dignidade da pessoa, enquanto os outros componentes curriculares apenas a seguem na ontologia de suas contingências. A inserção, portanto, de educação religiosa no currículo pleno de nossas escolas oficiais é algo de óbvio, respeitadas as diferentes crenças hoje existentes. Constitui, apenas, uma simples dedução do velho e sábio dito popular: quem quer os fins, tem de querer os meios.
Quando no Brasil, em sua apoteótica peregrinação, João Paulo 2º foi incisivo ao falar sobre a educação religiosa: "Na escola, o cidadão se forma por meio da cultura e da preparação profissional. A educação da consciência religiosa é um direito da pessoa humana".

Arnaldo Niskier, 71, educador, membro da Academia Brasileira de Letras, é conselheiro do Imae (Instituto Metropolitano de Altos Estudos) e secretário estadual de Cultura do Rio de Janeiro.


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