São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

Próximo Texto | Índice

Sábias palavras

Conselho da ministra Marta Suplicy aos usuários de aeroportos resume a atitude do Estado brasileiro

"RELAXE e goze." Emitido durante uma cerimônia oficial a que não faltaram acidentes de percurso, o intempestivo conselho de Marta Suplicy nesta última quarta-feira dirigia-se a quem teme enfrentar o caos nos aeroportos do país. Com admirável rapidez, a nova ministra do Turismo pediu desculpas pela frase -e o episódio terminou se esgotando na saraivada de tiradas humorísticas e gaiatices que inevitavelmente se prestava a estimular.
Nesse "relaxe e goze" talvez existam, entretanto, significados mais profundos do que supunha a vã sexologia ministerial. O conceito resume, na verdade, o que há de mais autêntico na atitude dos políticos brasileiros diante das dificuldades da população.
O Brasil convive com taxas haitianas de crescimento econômico: "relaxe e goze", poderiam afirmar as autoridades, enquanto as promessas do PAC não saem do papel.
Registra-se uma crise sem precedentes na área da segurança pública: mas os planos oficiais que se seguem rotineiramente a cada convulsão nada mais parecem acrescentar a um cotidiano de barbárie exceto a mesma frase, que aqui se reveste de conotações sinistras: "relaxe e goze".
"Relaxe e goze": não apenas aos que se desesperam nas filas dos aeroportos mas também às multidões que conheceram os efeitos da última greve do metrô em São Paulo poderia ser endereçada a recomendação.
Que goze e relaxe o contribuinte, submetido a uma das cargas tributárias mais iníquas e pesadas do mundo; que goze e relaxe o estudante da escola pública, exposto às frustrações que, para toda a vida, lhe reserva um sistema educacional inepto; que goze e relaxe o doente de algum hospital do SUS; que goze e relaxe, por fim, o eleitor, ao tomar conhecimento das últimas vigarices de seus representantes no Congresso Nacional.
Relaxe e goze, sugerem todos, afinal. No universo de referências do presidente Lula, por exemplo, o cidadão brasileiro está longe de ser aquele indivíduo consciente dos próprios direitos, capaz de mobilização e de protesto, que tempos mais heróicos do sindicalismo em São Bernardo já fizeram supor. Na mesma cerimônia em que a ministra Marta defendeu o encontro da passividade e do prazer, Lula traçou, em veia cômica e versão masculina, um quadro semelhante da mesma atitude.
Viajar, disse o presidente, depende de um estado de espírito. "A mulher tem que acordar: "amorzinho, vamos, amorzinho". Porque se ela começar xingando, o marido já não vai. Já bota o cuecão, fica deitado ali mesmo e não sai." A frase é injusta: já houve, entre os correligionários do presidente, quem "botasse o cuecão" -cheio de dólares- para viajar. Mas foi antes do apagão aéreo. Hoje, os escândalos são talvez menos explícitos; nunca foi tão intensa, contudo, a obscenidade da vida política.


Próximo Texto: Editoriais: A bem do serviço público

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.