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Sábias palavras
Conselho da ministra Marta Suplicy aos usuários de aeroportos resume a atitude do Estado brasileiro
"RELAXE e goze."
Emitido durante
uma cerimônia oficial a que não faltaram acidentes de percurso, o intempestivo conselho de Marta
Suplicy nesta última quarta-feira
dirigia-se a quem teme enfrentar
o caos nos aeroportos do país.
Com admirável rapidez, a nova
ministra do Turismo pediu desculpas pela frase -e o episódio
terminou se esgotando na saraivada de tiradas humorísticas e
gaiatices que inevitavelmente se
prestava a estimular.
Nesse "relaxe e goze" talvez
existam, entretanto, significados
mais profundos do que supunha
a vã sexologia ministerial. O conceito resume, na verdade, o que
há de mais autêntico na atitude
dos políticos brasileiros diante
das dificuldades da população.
O Brasil convive com taxas haitianas de crescimento econômico: "relaxe e goze", poderiam
afirmar as autoridades, enquanto as promessas do PAC não
saem do papel.
Registra-se uma crise sem precedentes na área da segurança
pública: mas os planos oficiais
que se seguem rotineiramente a
cada convulsão nada mais parecem acrescentar a um cotidiano
de barbárie exceto a mesma frase, que aqui se reveste de conotações sinistras: "relaxe e goze".
"Relaxe e goze": não apenas
aos que se desesperam nas filas
dos aeroportos mas também às
multidões que conheceram os
efeitos da última greve do metrô
em São Paulo poderia ser endereçada a recomendação.
Que goze e relaxe o contribuinte, submetido a uma das cargas
tributárias mais iníquas e pesadas do mundo; que goze e relaxe
o estudante da escola pública,
exposto às frustrações que, para
toda a vida, lhe reserva um sistema educacional inepto; que goze
e relaxe o doente de algum hospital do SUS; que goze e relaxe, por
fim, o eleitor, ao tomar conhecimento das últimas vigarices de
seus representantes no Congresso Nacional.
Relaxe e goze, sugerem todos,
afinal. No universo de referências do presidente Lula, por
exemplo, o cidadão brasileiro está longe de ser aquele indivíduo
consciente dos próprios direitos,
capaz de mobilização e de protesto, que tempos mais heróicos
do sindicalismo em São Bernardo já fizeram supor. Na mesma
cerimônia em que a ministra
Marta defendeu o encontro da
passividade e do prazer, Lula traçou, em veia cômica e versão
masculina, um quadro semelhante da mesma atitude.
Viajar, disse o presidente, depende de um estado de espírito.
"A mulher tem que acordar:
"amorzinho, vamos, amorzinho".
Porque se ela começar xingando,
o marido já não vai. Já bota o
cuecão, fica deitado ali mesmo e
não sai." A frase é injusta: já houve, entre os correligionários do
presidente, quem "botasse o cuecão" -cheio de dólares- para
viajar. Mas foi antes do apagão
aéreo. Hoje, os escândalos são
talvez menos explícitos; nunca
foi tão intensa, contudo, a obscenidade da vida política.
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