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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Judiciário deve evitar o encarceramento de jovens?
SIM
Internação como último recurso
JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL
O Estatuto da Criança e do Adolescente faz 20 anos. Um de seus pilares é o reconhecimento de que
crianças e adolescentes são seres
em estágio especial de desenvolvimento, que devem ser tratados de
forma diferenciada.
Antes do Estatuto, a legislação
era toda voltada para os chamados
menores infratores. Após o Estatuto, passou-se a tutelar o interesse e
o bem do adolescente. Apesar dessa relevante mudança de paradigmas, no que tange às penas, eufemisticamente batizadas de medidas socioeducativas, a mentalidade pouco mudou.
O Estatuto prevê extenso rol de
medidas não privativas de liberdade; contudo, ainda prevalece a aplicação da internação. E o pior é
constatar que adolescentes são internados em casos não permitidos.
O Estatuto condiciona a internação a situações bastante pontuais,
sobretudo para a prática de atos
com violência à pessoa; entretanto,
sob o argumento de que é para o
bem do adolescente, internam-se
mesmo os que praticam atos infracionais sem qualquer violência.
Quando se questiona tal ilegalidade, alega-se que os princípios
norteadores das penas para adultos
não se aplicam aos adolescentes.
Não são raros os casos em que adolescentes são internados por atos
que, se praticados por adultos, jamais implicariam pena de prisão.
O dogma de que os castigos aplicados aos adolescentes são para o
seu bem faz com que seja mais difícil defender um adolescente, teoricamente não responsável pelos
seus atos, que defender um adulto.
Além de tal situação constituir
abuso, sob o aspecto social é muito
prejudicial. Apesar de as instituições para internação terem sido remodeladas, deve-se reconhecer
que toda prisão tem efeitos perniciosos. É difícil garantir que os internos permaneçam separados pelos atos praticados e mesmo
por idade.
Esse ambiente propicia a contaminação dos que praticaram atos
sem violência e favorece agressões
físicas e sexuais, que marcam o jovem para o resto da vida, já gravada
pelo estigma da internação.
A tendência, por força dos contatos, do estigma e do aspecto psicológico, é que a internação seja essencial para a criação de um criminoso. Justamente o contrário do
que quer a sociedade.
Até sob o aspecto econômico é
melhor priorizar a aplicação de medidas não privativas de liberdade. É
menos custoso e mais útil encaminhar o adolescente a cursos profissionalizantes ou à prestação de serviços à comunidade que prendê-lo.
Não significa que devamos abolir
a internação. Devemos guardá-la
para os casos efetivamente reprováveis. Defendo, inclusive, para as
hipóteses mais graves, que o tempo
da internação seja elevado para
cinco anos. Então, não se trata de
uma visão protecionista.
Também não é o caso de estabelecer uma polarização entre defensores dos direitos humanos e defensores da sociedade. Esse maniqueísmo está ultrapassado.
No que concerne às internações,
passados 20 anos, o Estatuto da
Criança e do Adolescente ainda não
foi aplicado. Interna-se fora dos casos permitidos, sob a falácia de que
é para a proteção do jovem.
Mais uma vez, ficamos rendidos
aos engodos do politicamente correto. Trocamos os nomes: menores
por adolescentes. Mantemos a prática de prender desnecessariamente e gerar mais criminosos.
Com a não observância da lei, todos perderão.
A população tem a falsa percepção de que o menor de idade é beneficiado, de que é tratado de maneira
mais benevolente que o adulto. Isso
só ocorre nos episódios mais divulgados, que são exceção. Na esmagadora maioria das situações, as
condutas não são gravosas e o jovem acaba sendo punido de maneira mais dura do que o adulto.
Internar apenas quando a lei autoriza e, mesmo em tais casos, internar só quando estritamente necessário: este deve ser o desafio para os aplicadores do ECA, conquista
que merecerá ser comemorada.
JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL é advogada e
professora doutora de direito penal na USP.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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