São Paulo, terça-feira, 17 de agosto de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

"Inteligência" versus terrorismo

CARLOS DE MEIRA MATTOS

A guerra, até os atentados de 11 de setembro de 2001, era decidida pelo poder das armas. A dimensão estratégica assumida pelas ameaças terroristas dos grupos fanáticos islâmicos, contra os Estados Unidos e seus aliados, europeus e não-europeus, vem demonstrando que um poder militar superior não oferece defesa contra as agressões perpetradas pelo terror.
O principal instrumento de defesa com que contam os Estados Unidos, a Inglaterra e os países de tecnologia mais avançada, ameaçados pelo terrorismo internacional comandado pela rede Al Qaeda, é desenvolver ao máximo a capacidade de seus serviços de inteligência para detectar os planos de agressão antes que eles sejam executados.


Os governos de Washington e Londres já reconheceram que seus órgãos de inteligência falharam


Os serviços de inteligência são uma versão moderna dos antigos serviços de informação, setor importante de qualquer governo. Exige-se da "inteligência" dos governos possuidores de alta tecnologia de telecomunicações, de satélites de vigilância e captações de sons e imagens, de escuta eletrônica muito mais do que a simples informação.
Os governos, que gastam bilhões de dólares para manter esses serviços (os Estados Unidos destinaram US$ 40 bilhões no seu Orçamento anual para os órgãos de inteligência), não se conformam mais em ser surpreendidos por ataques imprevistos de grandes proporções, cuja articulação depende de demorada e complicada mobilização de pessoal e material.
Há quem admita que os ataques do 11 de Setembro, por seu incrível ineditismo, não pudessem deixar de surpreendido o governo de Washington, mas, depois disso, os vários atentados simultâneos de Madri, precedidos de várias ameaças, não podem deixar de ser considerados uma tremenda falha dos órgãos de inteligência da Espanha. Parece impossível que, dispondo dos recursos de sofisticada inteligência, possa ter sido perpetrada e realizada uma complicada ação terrorista que exigiu longa preparação, envolvendo numeroso pessoal, imenso tráfico de comunicação, aquisição e transporte de vultoso material explosivo e nenhum indício tivesse sido detectado pela inteligência espanhola.
Os governos de Washington e Londres já reconheceram que seus órgãos de inteligência falharam. Com tantos e tão sofisticados recursos, deveriam ter rastreado e interpretado os indícios surgidos. Nós aprendemos desde cedo que a técnica elementar para descobrir um segredo é encontrar o "fio da meada". Vários fios foram detectados, e a inteligência não foi capaz de chegar ao fim dessa meada.
Os diretores da CIA, norte-americana, e da inteligência britânica foram recentemente substituídos em virtude da repercussão das azedas críticas parlamentares recebidas. Uma comissão parlamentar nos Estados Unidos, encarregada de investigar a atuação dos órgãos de inteligência nos atentados do 11 de Setembro, levantou dez falhas que, se fossem evitadas, poderiam ter impedido o trágico acontecimento. Entre as falhas apontadas releva-se a falta de entrosamento e comunicação entre os diversos órgãos existentes -CIA, FBI, agências de informações da Secretaria da Defesa e dos três ramos das Forças Armadas-, todos atuando descentralizados e com relativa autonomia.
Propôs a comissão parlamentar a criação do cargo de diretor nacional de Inteligência, que controlará a distribuição da enorme verba orçamentária destinada às agências, coordenará a atuação delas e centralizará a interpretação das informações colhidas. A superioridade da tecnologia da informação a serviço da "inteligência", de que dispõem os países mais desenvolvidos, se utilizada com competência, deverá ser capaz de desarticular os atentados planejados antes que possam ser executados.
As atenções do mundo, hoje, mantêm-se voltadas às ameaças de novos e espetaculares atentados prometidos pela Al Qaeda. Os serviços de inteligência de vários países estão com as antenas de sua espionagem ligadas para detectar e desarticular qualquer atentado planejado. A guerra a que estamos assistindo é dos órgãos de inteligência versus a Al Qaeda.

Carlos de Meira Mattos, 91, general reformado do Exército e doutor em ciência política, é veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra.


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