São Paulo, Terça-feira, 17 de Agosto de 1999
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Roberto Campos: caçoada

ARIANO SUASSUNA

No dia 25 de agosto de 1996, o economista Roberto Campos publicou no "Jornal do Comércio" do Recife um artigo intitulado "Manual del Perfecto Idiota Latino-Americano". No artigo, celebrava o aparecimento de um livro escrito por um colombiano, um peruano e um cubano. Afirmava que o referido livro "é uma verdadeira catilinária contra a mitologia latino-americana dos nacional-populistas e esquerdistas". E elogiava muito os autores, que teriam demonstrado lucidez e coragem abandonando essas idéias que grassaram na América Latina dos anos 50 como uma espécie de "gonorréia juvenil", somente curada pela "penicilina ideológica" que foi "a queda do muro de Berlim".
No artigo, Roberto Campos discordava dos autores do "Manual" por terem incluído Fernando Henrique Cardoso entre "os idiotas". Lembrava que o livro pelo qual o presidente merecera a inclusão era de 1969. E esclarecia: "FHC depois se tornou um político de êxito, aderiu à economia de mercado e à abertura internacional (...) Superou sua fase de subdesenvolvimento mental, o que prova tratar-se de doença grave e contagiosa, porém não incurável".
Senti uma vontade enorme de responder ao artigo; principalmente porque o autor jogava na cara de todos nós, "idiotas nacional-populistas", aquilo que ele chamava de "salto espetacular dos tigres asiáticos". E quando o "salto" começou a fazer água, meu desejo aumentou ainda mais.
Entretanto, eu me sentia tolhido pela idade porque, apesar de velho, sou mais moço do que Roberto Campos. Até que, neste mês de agosto, ganhei um presente de Cláudio Giordano: é uma certa "Dissertação sobre o Direito que Têm os Veteranos das Academias de Caçoar dos Novatos", escrita, no século 19, por Filipe Alberto Patroni. Eu pertenço à Academia Brasileira de Letras desde 1990. Roberto Campos só agora é candidato a ela; de modo que, em comparação comigo, é um novato; e posso caçoar dele que, em seu artigo, incluiu na lista dos "idiotas latino-americanos" meu querido amigo Darcy Ribeiro, que era também da ABL. Segundo Roberto Campos, as idéias de Darcy Ribeiro eram uma "paranóia antropológica". Ao contrário dos anglo-saxões, "que prezam a racionalidade e a competição", nossos componentes culturais são "a cultura ibérica do privilégio, a cultura indígena da indolência e a cultura negra da magia".
Por isso, acho que, antes de se candidatar à ABL, Roberto Campos deveria retirar o que disse. Porque, se for eleito, vai se tornar colega dos companheiros, amigos e admiradores de Darcy Ribeiro; e correrá o risco de ver o "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano" transformado em artigo autobiográfico.


Ariano Suassuna escreve às terças-feiras nesta coluna.


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