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Roberto Campos: caçoada
ARIANO SUASSUNA
No dia 25 de agosto de 1996, o economista Roberto Campos publicou
no "Jornal do Comércio" do Recife
um artigo intitulado "Manual del Perfecto Idiota Latino-Americano". No
artigo, celebrava o aparecimento de
um livro escrito por um colombiano,
um peruano e um cubano. Afirmava
que o referido livro "é uma verdadeira
catilinária contra a mitologia latino-americana dos nacional-populistas e
esquerdistas". E elogiava muito os autores, que teriam demonstrado lucidez e coragem abandonando essas
idéias que grassaram na América Latina dos anos 50 como uma espécie de
"gonorréia juvenil", somente curada
pela "penicilina ideológica" que foi "a
queda do muro de Berlim".
No artigo, Roberto Campos discordava dos autores do "Manual" por terem incluído Fernando Henrique
Cardoso entre "os idiotas". Lembrava
que o livro pelo qual o presidente merecera a inclusão era de 1969. E esclarecia: "FHC depois se tornou um político de êxito, aderiu à economia de
mercado e à abertura internacional
(...) Superou sua fase de subdesenvolvimento mental, o que prova tratar-se
de doença grave e contagiosa, porém
não incurável".
Senti uma vontade enorme de responder ao artigo; principalmente porque o autor jogava na cara de todos
nós, "idiotas nacional-populistas",
aquilo que ele chamava de "salto espetacular dos tigres asiáticos". E quando
o "salto" começou a fazer água, meu
desejo aumentou ainda mais.
Entretanto, eu me sentia tolhido pela
idade porque, apesar de velho, sou
mais moço do que Roberto Campos.
Até que, neste mês de agosto, ganhei
um presente de Cláudio Giordano: é
uma certa "Dissertação sobre o Direito que Têm os Veteranos das Academias de Caçoar dos Novatos", escrita,
no século 19, por Filipe Alberto Patroni. Eu pertenço à Academia Brasileira
de Letras desde 1990. Roberto Campos só agora é candidato a ela; de modo que, em comparação comigo, é um
novato; e posso caçoar dele que, em
seu artigo, incluiu na lista dos "idiotas
latino-americanos" meu querido amigo Darcy Ribeiro, que era também da
ABL. Segundo Roberto Campos, as
idéias de Darcy Ribeiro eram uma
"paranóia antropológica". Ao contrário dos anglo-saxões, "que prezam a
racionalidade e a competição", nossos
componentes culturais são "a cultura
ibérica do privilégio, a cultura indígena da indolência e a cultura negra da
magia".
Por isso, acho que, antes de se candidatar à ABL, Roberto Campos deveria
retirar o que disse. Porque, se for eleito, vai se tornar colega dos companheiros, amigos e admiradores de
Darcy Ribeiro; e correrá o risco de ver
o "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano" transformado em artigo
autobiográfico.
Ariano Suassuna escreve às terças-feiras nesta coluna.
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