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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
A sucessão refocalizada
Agora que a campanha eleitoral
entra em fase decisiva, ficam claras as três grandes questões em jogo
na sucessão presidencial. Cada uma
delas aponta para divisão profunda na
política brasileira.
A primeira questão é a integridade
das instituições republicanas. O desdobramento da campanha confirmou
os temores suscitados por seus passos
iniciais. Está em curso tentativa de instaurar no Brasil o regime do antigo
PRI mexicano. Os aparatos do Estado
mais importantes para a lisura das
eleições, a começar pela Justiça Eleitoral e pela Polícia Federal, foram convertidos em instrumentos de luta.
Nessa luta, usam-se as armas da intimidação e da espionagem. Jornalistas
foram contratados, guiados e manipulados em massa. Tudo isso prefigura regime de fachada constitucional,
atrás da qual possam os detentores do
poder se acertar mais comodamente
com os senhores do dinheiro. Seus escribas denunciam como antidemocráticas propostas para desenvolver
democracia de alta energia que limite
a influência do dinheiro na política,
crie regime de partidos políticos fortes
e dê ao Congresso e ao presidente
meios para juntos superarem os impasses que surjam entre eles. Nada de
apelar ao eleitorado por cima do Congresso e dos partidos. Não é o presidencialismo plebiscitário que se propõe; é a aceleração, institucionalizada,
das mudanças e a elevação, institucionalizada, da participação popular.
A segunda questão é a independência do Brasil. Não se afirma com retórica nacionalista. Depende de dois
conjuntos de iniciativas. Uma das premissas é mobilizar os recursos do país
para diminuir nossa dependência do
capital estrangeiro. Para isso, é preciso
aumentar a poupança interna e canalizar a poupança de longo prazo para o
investimento de longo prazo. A outra
premissa é reposicionar o Brasil no
mundo. Ou o Brasil fica em prática defensiva de negociações comerciais, ou
coloca essas negociações no bojo de
um projeto audacioso. Um dos elementos de tal projeto é construir relação com os Estados Unidos que subordine o livre comércio nas Américas a mecanismos de diminuição das
desigualdades sociais. Outro elemento
é liderar a reunião dos outros grandes
países continentais periféricos para
trabalhar em favor de ordem mundial
mais pluralista, livre de hegemonias,
de poder ou de ideologia.
A terceira questão é a mudança do
modelo econômico. Querer ressuscitar uma política industrial ao estilo da
década de 70 e falar em promover as
exportações, como se o Brasil tivesse
como e o que exportar sem reativar e
reorientar sua economia, é senilidade
programática. É continuísmo, baseado em confusão intelectual e em rendição a "lobbies". Nessa campanha, há
quem defenda rumo completamente
diferente, orientado tanto para a ampliação do acesso ao crédito, à tecnologia e ao conhecimento quanto para
o aprofundamento do mercado interno. Aprofundamento que passa pela
valorização gradativa do salário real e
pelo resgate de mais da metade da população da economia informal, em
que, sem carteira de trabalho, continua aprisionada. Democratizar a economia de mercado -não apenas regulá-la ou atenuar as suas desigualdades por meio de políticas sociais compensatórias- é a palavra de ordem
dessa proposta. Proposta que abrange
também o compromisso com a construção de ensino público de qualidade
que rejeite a decoreba e privilegie a capacitação conceitual e prática.
Sim ou não? O contraste é claro, e o
momento é agora.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nessa coluna.
www.idj.org
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