São Paulo, terça-feira, 17 de setembro de 2002

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

A sucessão refocalizada

Agora que a campanha eleitoral entra em fase decisiva, ficam claras as três grandes questões em jogo na sucessão presidencial. Cada uma delas aponta para divisão profunda na política brasileira.
A primeira questão é a integridade das instituições republicanas. O desdobramento da campanha confirmou os temores suscitados por seus passos iniciais. Está em curso tentativa de instaurar no Brasil o regime do antigo PRI mexicano. Os aparatos do Estado mais importantes para a lisura das eleições, a começar pela Justiça Eleitoral e pela Polícia Federal, foram convertidos em instrumentos de luta. Nessa luta, usam-se as armas da intimidação e da espionagem. Jornalistas foram contratados, guiados e manipulados em massa. Tudo isso prefigura regime de fachada constitucional, atrás da qual possam os detentores do poder se acertar mais comodamente com os senhores do dinheiro. Seus escribas denunciam como antidemocráticas propostas para desenvolver democracia de alta energia que limite a influência do dinheiro na política, crie regime de partidos políticos fortes e dê ao Congresso e ao presidente meios para juntos superarem os impasses que surjam entre eles. Nada de apelar ao eleitorado por cima do Congresso e dos partidos. Não é o presidencialismo plebiscitário que se propõe; é a aceleração, institucionalizada, das mudanças e a elevação, institucionalizada, da participação popular.
A segunda questão é a independência do Brasil. Não se afirma com retórica nacionalista. Depende de dois conjuntos de iniciativas. Uma das premissas é mobilizar os recursos do país para diminuir nossa dependência do capital estrangeiro. Para isso, é preciso aumentar a poupança interna e canalizar a poupança de longo prazo para o investimento de longo prazo. A outra premissa é reposicionar o Brasil no mundo. Ou o Brasil fica em prática defensiva de negociações comerciais, ou coloca essas negociações no bojo de um projeto audacioso. Um dos elementos de tal projeto é construir relação com os Estados Unidos que subordine o livre comércio nas Américas a mecanismos de diminuição das desigualdades sociais. Outro elemento é liderar a reunião dos outros grandes países continentais periféricos para trabalhar em favor de ordem mundial mais pluralista, livre de hegemonias, de poder ou de ideologia.
A terceira questão é a mudança do modelo econômico. Querer ressuscitar uma política industrial ao estilo da década de 70 e falar em promover as exportações, como se o Brasil tivesse como e o que exportar sem reativar e reorientar sua economia, é senilidade programática. É continuísmo, baseado em confusão intelectual e em rendição a "lobbies". Nessa campanha, há quem defenda rumo completamente diferente, orientado tanto para a ampliação do acesso ao crédito, à tecnologia e ao conhecimento quanto para o aprofundamento do mercado interno. Aprofundamento que passa pela valorização gradativa do salário real e pelo resgate de mais da metade da população da economia informal, em que, sem carteira de trabalho, continua aprisionada. Democratizar a economia de mercado -não apenas regulá-la ou atenuar as suas desigualdades por meio de políticas sociais compensatórias- é a palavra de ordem dessa proposta. Proposta que abrange também o compromisso com a construção de ensino público de qualidade que rejeite a decoreba e privilegie a capacitação conceitual e prática.
Sim ou não? O contraste é claro, e o momento é agora.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nessa coluna.

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