São Paulo, sexta-feira, 17 de setembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Crescimento x inflação

PAUL SINGER

Não resta dúvida de que, se a demanda por bens e serviços crescesse além da capacidade de produção do país, surgiriam pressões altistas sobre muitos preços, particularmente os de serviços, que não podem ser importados. Essas pressões, no entanto, só se transformariam em inflação se o acréscimo de importações e a eventual queda da exportação (para atender a demanda no mercado interno) causassem a elevação do câmbio, o que generalizaria a alta ao conjunto dos produtos exportáveis e importáveis.
Nada indica que esse cenário tenha alguma relevância para o Brasil na atualidade. Nossa economia passou por severa recessão na primeira metade de 2003 e veio se recuperando, de forma claudicante, a partir do quarto trimestre do ano passado. O crescimento da economia brasileira só se firmou e adquiriu vigor a partir deste ano, e a renda salarial só vem aumentando (depois de longa e severa queda) desde maio último. Igualmente recente é a diminuição do desemprego nas áreas metropolitanas. Nada indica que estejamos ou venhamos a estar em breve na situação acima descrita, de expansão da demanda superior à da oferta.
Se há pressões inflacionárias, elas têm outras causas: tarifas indexadas de serviços públicos, alta eventual do preço internacional do petróleo, altas em alguns mercados oligopólicos. O desemprego começa a baixar e os contratos de trabalho só agora iniciam alguma recuperação de perdas inflacionárias passadas. Por tudo isso, abortar o nosso crescimento nesta altura, por meio de uma alta da taxa de juros, é um erro lastimável. É verdade que o efeito do aumento da taxa Selic sobre a demanda, e portanto sobre o ritmo de expansão do produto, só se fará sentir em meses. Mas, enquanto a inflação não cedesse, o Banco Central teria, por uma questão de coerência, de continuar elevando a taxa Selic até sufocar o crescimento da demanda, da produção e do emprego.
Mesmo que as causas das modestas pressões inflacionárias que hoje se verificam nada tenham a ver com o aquecimento da economia, um esfriamento da mesma, como se fez no ano passado, acaba reprimindo os reajustes de preços e o aumento do desemprego desencoraja eventuais pressões sindicais por aumentos reais de salário. Portanto, se entrarmos pela via de conter a inflação (por menor que seja) através da queda do ritmo de crescimento econômico, o país se condenará a permanecer encalacrado em semi-estagnação e alto desemprego.


Abortar o nosso crescimento nesta altura, por meio de uma alta da taxa de juros, é um erro lastimável


Além disso, a alta dos juros sinaliza ao mercado, desde a primeira elevação, que o crescimento terá fôlego curto. Os empresários já começaram a investir, confiantes nas previsões das autoridades econômicas de que o crescimento continuará por longo período. Se a previsão oficial agora passa a ser que a inflação ameaça o país e, por isso, precisamos esfriar a demanda, muitos empresários engavetarão seus planos de investimento. O que acabará por provocar o temido excesso generalizado de demanda -que, no entanto, poderá ser evitado por meio de investimentos que previnam o surgimento de gargalos na oferta de bens e serviços.
O Brasil precisa de no mínimo alguns anos de crescimento ininterrupto para dar início ao resgate de sua dívida social. Ele permitirá atingir ganhos crescentes de produtividade, aumento da receita e, conseqüentemente, da inversão e do gasto social do governo. Para sustentar o crescimento, é necessário que políticas de fomento, aplicadas às cadeias produtivas, permitam moderar e/ou adiar reajustamentos de preços e salários até que nova capacidade de produção permita o completo atendimento da demanda efetiva.
Nesse contexto, a proposta de entendimento entre governo, empresários e trabalhadores apresentada por Luiz Marinho, presidente da CUT, é extraordinariamente oportuna. O governo tem autoridade para reunir os atores das principais cadeias produtivas e negociar contratos de contenção de preços (inclusive do trabalho) em troca de reduções temporárias de impostos indiretos. As eventuais renúncias fiscais seriam inversões no futuro aumento da produção, que acabaria proporcionando receitas fiscais maiores, pois, como todos sabem, uma alíquota reduzida, aplicada a quantidades maiores de mercadorias, pode gerar receita bem maior do que sem a renúncia fiscal.
No começo dos 1990, acordos dessa espécie foram fechados em diversas cadeias produtivas, com resultados bastante positivos. Agora podemos usar essas experiências para sustentar o crescimento da economia, dos rendimentos dos trabalhadores, do consumo, da produção e do emprego. Seria uma pena se, em vez disso, optássemos por estrangular o crescimento recém-iniciado, num momento em que ele desperta a esperança popular de que finalmente o país tenha encontrado a saída.

Paul Singer, 72, professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP e pesquisador do Cebrap, é secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho.


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