São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2000

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AJUSTE DOLOROSO

A fim de "sinalizar" positivamente para os financiadores externos e de viabilizar um empréstimo multibilionário do FMI, o governo da Argentina dispôs-se a avançar ainda mais no corte de despesas.
Ontem, agravou-se o impasse entre governo central e Províncias sobre a proposta de congelamento, pelos próximos anos, das despesas dos governos locais. Mas o sintoma da cega disposição fiscalista do Executivo argentino reside na proposta de abolir a Previdência pública. E de fazê-lo num repente, sem período de transição, premido apenas pela necessidade imediata de economizar.
Enquanto o governo recolhe o cobertor social, a pobreza e o desemprego aumentam na Argentina, e a produção não pára de cair. Nesse contexto, a reação popular cresce. Está programada para a próxima semana uma greve geral de trabalhadores. Num acontecimento raro, três das principais entidades sindicais entraram em acordo sobre o movimento. Protestos violentos e bloqueios de estradas por caminhoneiros tornam-se mais frequentes.
Setores da elite argentina questionam os críticos, apregoando a união pelo bem do país. Mas é impossível, no atual contexto, manter baixo o nível de conflito social por período dilatado. Não há consenso que resista muito a políticas prolongadas que geram desemprego, combinadas à diminuição progressiva da capacidade de o Estado prover bem-estar.
É possível que toda teoria sociológica e econômica seja insuficiente para descrever o aparente beco sem saída a que chegou a Argentina. Enquanto a paridade entre peso e dólar permanece inquestionável como um tabu, as autoridades governamentais do país vizinho impingem à população mais pobre uma boa parcela dos custos do ajuste fiscal. Talvez a psicologia tenha mais a dizer sobre o assunto, e o câmbio fixo, além de um artefato de política econômica, seja uma obsessão mórbida.
Pior é a sensação de que todo esse sacrifício se revelará vão em médio prazo se os argentinos não se dispuserem a desfazer a sua armadilha cambial. Que o preço desse despertar não seja uma convulsão social.


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