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São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2000 |
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A previdência e o jogo do mercado
DALMO DE ABREU DALLARI Vários projetos tramitam no Congresso tendo por objeto a privatização da previdência dos servidores públicos. Tratam, entre outras coisas, dos fundos de pensão e de previdência complementar para os servidores. Diante da probabilidade de que o projeto de lei complementar nº 9/99, por meio de emenda substitutiva global do plenário, seja submetido a votação dentro de alguns dias, parece-me necessário fazer algumas observações sobre questões pontuais, de natureza constitucional, que não estão sendo consideradas e que, a meu ver, comprometem a validade jurídica do que está sendo proposto. O primeiro ponto que me parece merecedor de especial atenção é a ofensa óbvia à Constituição quando se pretende afrontar o dispositivo constitucional que estabelece o direito à aposentadoria com proventos integrais, como está expresso no artigo 40. Pelo proposto, o montante do benefício poderá ficar na dependência da rentabilidade da carteira de fundo de investimento especialmente constituído. Existe a possibilidade de aprovar um dispositivo determinando que as entidades fechadas de previdência privada contratem, com entidades abertas de previdência complementar ou sociedades seguradoras de fins lucrativos, a cobertura de vários benefícios. Ora, o parágrafo 3º, do artigo 40, da Constituição, é bastante claro quando dispõe que os proventos da aposentadoria, atendidos certos requisitos que a própria Constituição estabelece, corresponderão à totalidade da remuneração. O servidor foi admitido no serviço público e sofreu descontos nos seus vencimentos, nos montantes estabelecidos pelos especialistas em atuária, nunca se tendo dado aos servidores a possibilidade de participar das decisões sobre a destinação das quantias compulsoriamente arrecadadas. É evidente que, se os proventos passarem a depender do rendimento das reservas acumuladas, o que significa, em outras palavras, depender do "jogo do mercado", estará sendo criada uma incerteza, anulando-se o direito aos proventos integrais correspondentes à totalidade da remuneração. Além da ofensa ao artigo 40, da Constituição, entendo que estará sendo ofendido, também, o artigo 5º, inciso XXXVI, segundo o qual "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Admitido regularmente no serviço público, o servidor adquire direitos e assume obrigações. Quanto à aposentadoria, o direito de aposentar-se com proventos que correspondam à totalidade da remuneração é adquirido no momento em que o servidor é empossado num cargo efetivo. O gozo desse direito fica sujeito ao atendimento de requisitos que a Constituição estabelece, mas o direito já existe e se incorpora ao acervo de direitos individuais do servidor. Desde que o servidor cumpra as obrigações assumidas ao empossar-se, uma vez atendidos os requisitos constitucionais, pode entrar no gozo do direito, não podendo a administração, por ato unilateral, alterar ou extinguir esse direito, que nem a lei poderá prejudicar. Nem mesmo por via de emenda constitucional o direito do servidor à aposentadoria com vencimentos integrais poderá ser reduzido ou eliminado. Nos termos do artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, a Constituição proíbe a deliberação sobre proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Assim, pois, nem por emenda constitucional ele poderá ser abolido, o que reforça a conclusão de que é inconstitucional a lei complementar ou ordinária que pretenda aboli-lo. Cabe ainda lembrar que o direito à aposentadoria, nos termos previstos na Constituição, é necessário para assegurar ao servidor um fim de vida digno, após muitos anos de dedicação ao serviço público. O direito à aposentadoria com vencimentos integrais é assegurado para que o servidor, na última etapa de sua vida, não seja forçado a rebaixar sua qualidade de vida, sofrendo privações e humilhações que afrontem a sua dignidade humana. Por esse motivo, pode-se sustentar que o projeto de privatização da previdência social dos servidores públicos, sujeitando o servidor aposentado ao sucesso de investimentos feitos por uma entidade privada de fins lucrativos, que o servidor não conhece nem controla, contraria um princípio fundamental da República Federativa do Brasil expresso no artigo 1º, inciso III, da Constituição, que é justamente "a dignidade da pessoa humana". Dalmo de Abreu Dallari, 68, advogado, é professor da Faculdade de Direito da USP e vice-presidente da Comissão Internacional de Juristas. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Adib d. Jatene: Um rebelde com causa Índice |
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