São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

O bom rapaz

RIO DE JANEIRO - Houve um imperador romano que foi considerado a delícia do gênero humano. Não me lembro se foi um puxa-saco da corte ou o próprio imperador que a si mesmo se chamou de delícia do gênero humano.
Tampouco me recordo o que ele fez ou deixou de fazer para merecer tão deliciosa classificação. Houve um rei da França que chegou perto, tornando-se "o bem-amado". Stálin foi o guia genial dos povos, e Mussolini, numa sociedade machista, era louvado por causa de seus testículos, que a plebe julgava enormes.
Um português, obviamente chamado Manuel, ficou venturoso porque em seu reinado o Brasil foi descoberto.
Houve também um Orlando, o furioso, e um Átila, flagelo de Deus. Sem esquecer Pepino, o breve, e um barba-roxa que talvez seja o modelo mais próximo de nosso barbado presidente eleito, apesar de sua barba não ser roxa mas grisalha. Pai dos pobres foi Getúlio Vargas, camarada foi Khruschov, e companheiro até hoje ainda é Fidel Castro.
Citei exemplos contraditórios de homens que tiveram poder e fico pensando no estranho apetite que move tanta gente para, no fim, ser chamado de Breve, Barba-Roxa ou mesmo Delícia do Gênero Humano.
Mas o campeão em matéria de nomes -e um dos mais poderosos- foi aquele anjo que promoveu uma revolta contra o Todo-Poderoso. Parece que foi batizado -se é que batizavam os anjos no paraíso- como "aquele que transporta a luz", ou seja, Lúcifer. Belo nome, que não combinava com sua função. Daí que passou a ser Demônio, Satanás, Diabo, Mefistófeles.
E, segundo Guimarães Rosa, que pesquisava nomes e apelidos, o mesmo Lúcifer foi chamado de Não-Se-Diz, Caolho, Coisa-Ruim, Leva-e-Trás, O Que Não Ri e Rapaz.
Não gostei quando chamaram o nosso presidente eleito de bom rapaz.



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