São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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Moda e negócios

MARCOS DE AZAMBUJA


As próprias palavras moda e luxo sugerem uma medida de alienação e insensibilidade social. Não é verdade

A Embaixada do Brasil em Paris tem uma perspectiva privilegiada do mundo da moda e do luxo. Isso porque a França é, já há muito tempo e cada vez mais, produtora de bens e serviços de alta qualidade nesse setor. Com isso tem lucrado muito e crescentemente. A própria imagem da França está construída em torno da idéia mesma da qualidade em todas as suas declinações -literária, artística, gastronômica e, para voltar ao nosso tema, a da moda.
A indústria e o comércio da moda e do luxo representam grande volume de negócios, são extraordinariamente rentáveis e têm a capacidade de construir conglomerados com alto valor agregado. Uma peça de vestuário é o produto final de um longo itinerário que se inicia com o produto primário -couro, algodão etc.- e que, pela incorporação de engenho e engenharia, valoriza-se a cada momento do processo.
A matéria prima, salvo exceções, não é cara. A agregação de valor se faz pela sinergia dos talentos de um conjunto de produtores e criadores cujo trabalho culminará em um desfile, que, à primeira vista, parece fácil e até fútil. Não farei aqui a viagem entre as commodities e a arte final de um grande estilista. Qualquer aporte a prateleiras com produtos de preço alto, oferta diferenciada, para demanda necessariamente limitada é o resultado de anos de pesquisa e desenvolvimento. Sua produção em grande escala, apesar de os anúncios alardearem continuamente a "exclusividade", pressupõe a existência de equipamentos e técnicas altamente especializados.
Em torno da roupa, dos acessórios e da perfumaria vão se reunir design, artesanatos, tecnologia, chegando-se finalmente ao prestígio de uma grife.
Para quem está aqui, para quem está em Milão, em Londres, em Nova York ou em outras capitais do circuito da moda, o que digo são obviedades. Para quem chega agora a este roteiro internacional de agregação de valor, ainda não. Pela primeira vez, a São Paulo e a Rio Fashion Week alcançaram ressonância internacional, notadamente na Europa. Abriram portas aos estilistas brasileiros que vêm mostrar suas coleções.
Tenho procurado fazer com que a Embaixada do Brasil em Paris seja uma plataforma para as nossas exportações. Busco também fazer dela uma passarela para a exportação de um selo brasileiro de qualidade em artigos de moda e de luxo, de alto valor agregado. Os volumes internacionais são evidentes. Vamos nos concentrar na LVMH (Louis-Vuitton-Möet-Chandon-Henessy) e na L'Oréal, que estão entre as maiores empresas francesas.
A LVMH, conglomerado capitaneado por Bernard Arnault, tem faturamento anual de 12 bilhões, emprega 56 mil pessoas e registrou, no último ano, progressão de 5% nas vendas mundiais. A L'Oréal, por seu lado, apresentou faturamento de 13,6 bilhões em 2001, uma progressão de 8,4% em relação a 2000.
Uma comparação interessante. A Lafarge (no Brasil, Cimentos Mauá), indústria francesa que é a maior produtora mundial de materiais de construção, e que está presente em 75 países, publicou faturamento muito próximo àquele apresentado por algumas indústrias de luxo em 2001, 13,7 bilhões. A capacidade de gerar empregos qualificados também não pode ser negligenciada. A modelo que desfila é apenas a ponta do iceberg de competências que levaram àquele momento de beleza.
Poderíamos procurar apenas incrementar as exportações brasileiras de tecidos, mas é preciso não esquecer que a maior rentabilidade está no pacote que moda e luxo incorporam. Há imensos lucros a serem realizados em produtos de cosmética e perfumaria, nos artigos de bijuteria e joalheria. Os periféricos valem muitas vezes mais do que o artigo central, que serve apenas de veículo para as vendas em torno dele.
Sei que há preconceitos. As próprias palavras moda e luxo sugerem uma medida de alienação e insensibilidade social. Não é verdade. Trata-se de uma das indústrias mais dinâmicas.
Tenho muito bons parceiros neste esforço de colocar o Brasil no circuito. Há apenas alguns anos, a produção de algodão no Brasil caíra a ponto de termos de importar maciçamente. Situação que onerava a indústria têxtil. Para reverter esse quadro, o Ministério da Agricultura incluiu em seu projeto de zoneamento linhas de crédito especiais para estimular a produção de algodão, iniciativa que garantiu a auto-suficiência atual.
A queda no custo da produção beneficiou as exportações do setor têxtil, objeto de projetos, coordenados entre a Apex (Agência de Promoção de Exportações) e a Abit (Associação Brasileira de Indústrias Têxteis e Confecção), que levaram o Itamaraty a renegociar o aumento de nossas quotas com a União Européia. Ultrapassada essa etapa, a indústria têxtil nacional se prepara para se inscrever na cadeia produtiva internacional de confecções, onde está a maior parcela de valor agregado do setor.
Conheço poucas áreas em que o Brasil possa crescer tanto em prazo relativamente curto. As barreiras e o protecionismo nesse campo são menos difíceis de superar. Temos as matérias primas, os talentos, a tecnologia, a capacidade industrial instalada, agressividade empresarial. Temos a especificidade de nossa cultura e maneira de ser, temos uma originalidade de visão de mundo que diferencia os nossos produtos. Não podemos chegar tarde. China, Rússia e Índia já descobriram o mapa da mina.
Aqui, como em outros países, o Brasil está na moda. É preciso agora desenvolver uma moda do Brasil.


Marcos de Azambuja, 67, é embaixador do Brasil em Paris. Foi embaixador do Brasil em Buenos Aires e em Genebra (Suíça).


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