São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Incor e Fundação Zerbini

ADIB D. JATENE

As causas da crise financeira que ora enfrentam o Incor e a Fundação Zerbini estão à vista de todos

A OPINIÃO pública tomou conhecimento da situação financeira do Incor e de sua fundação de apoio, a Fundação Zerbini.
Desde logo, precisa ficar claro que essa situação não se relaciona com irregularidades nem fraudes, mas, antes, é conseqüência do desejo de colaborar com as autoridades constituídas.
A Fundação Zerbini, criada no final dos anos 70, época em que se iniciava a operação do Incor, se mostrou altamente eficiente para alavancar uma instituição que honra a medicina brasileira e ajudou a colocar o país em paridade, tanto na área assistencial quanto na de pesquisa e ensino, com os países mais avançados do mundo.
E o fez com eficiência, acumulando um fundo de reserva da ordem de R$ 50 milhões, em 1995. Na expansão, o governo iniciou a construção do bloco 2, interrompido após a conclusão da estrutura de concreto. Esse esqueleto atravessou duas administrações sem que o Estado decidisse por sua conclusão. Foi quando a fundação, estimulada pelo governador Mário Covas, decidiu utilizar sua reserva financeira para concluir a obra.
Evidentemente, esperava-se que o Estado adquirisse todo o equipamento e contratasse os funcionários, que seriam apenas suplementados pela fundação. Diante das dificuldades financeiras do Estado, impossibilitado, até, de contrair empréstimos, a fundação decidiu assumir mais esse encargo, por meio de empréstimo do BNDES, obtido com o apoio do governador Covas e negociado com a ajuda do senador Piva, então presidente do Conselho Curador da fundação.
Dessa maneira, não só terminou a obra mas também adquiriu todo o equipamento e a aparelhagem para seu funcionamento -e assumiu os gastos com a contratação de 1.503 funcionários que viabilizaram o funcionamento do bloco 2.
A inauguração festiva contou com as presenças do governador do Estado e do presidente da República. Estava deflagrado o processo que levaria à crise financeira atual, por decisão, hoje considerada equivocada, da própria fundação. Tendo assumido esses compromissos financeiros e precisando pagar os juros do financiamento, começou um processo de déficit, financiado por empréstimos na rede bancária comercial, cujo juro elevado agravou a situação.
Simultaneamente, em conseqüência do sucesso até então alcançado pelo Incor, começaram solicitações para que a fundação participasse de outros empreendimentos que, diziam, não a onerariam financeiramente, mas utilizariam sua experiência no próprio Incor e na gestão, entre outros, do Projeto Qualis, na periferia de São Paulo, com 56 equipes de saúde da família cuidando de perto de 250 mil pessoas, que é superavitário.
Assim, entre outros, avulta o Incor Brasília, que acabou exigindo desembolso da Fundação Zerbini, acumulando passivo significativo. De um lado, isso agravou a situação financeira da fundação; de outro, permitiu que se argüisse irresponsabilidade administrativa, fazendo com que ocorressem restrições às medidas capazes de aliviar o problema financeiro.
De modo que, tanto internamente, no âmbito do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da USP, quanto externamente, nos níveis federal e estadual, se criou um clima desfavorável à fundação, o que dificultou as medidas de auxílio, seja na absorção pelo Estado dos funcionários pagos pela fundação, seja pelo reconhecimento do Estado em ajudar a saldar os compromissos financeiros conseqüentes da construção, equipamento e funcionamento do bloco 2.
As causas da crise financeira que ora enfrentam o Incor e a fundação estão à vista de todos. Um prédio com a mais alta tecnologia hospitalar, uma produção científica que conquistou reconhecimento internacional e a formação de material humano, não apenas médico, que contribui para a elevação do padrão técnico-científico nacional. Ao lado disso, um volume de atendimento de clientela do SUS sem paralelo em qualquer hospital público, universitário ou não, neste país.
Diante da crise, a instituição tem recebido manifestações de simpatia tanto do governo federal quanto do estadual. O presidente Lula determinou as medidas possíveis para refinanciamento pelo BNDES, suficientes para saldar os empréstimos com a rede bancária comercial e pagar os atrasados com fornecedores. O governador Lembo, pessoalmente, vem se empenhando em conseguir agentes financeiros para viabilizar o eventual empréstimo do BNDES. Ao lado disso, medidas internas de reestruturação já em curso na instituição antecipam a superação dos problemas financeiros que preocupam a todos.
Ressalte-se que a instituição nunca sofreu paralisação ou redução de suas atividades -graças à consciência de seus funcionários, cuja atuação, mesmo nessa crise que coloca em risco seus empregos, tem sido exemplar.


ADIB D. JATENE, 77, cardiologista, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP, diretor-geral do Hospital do Coração e membro do Conselho Consultivo da Fundação Zerbini. Foi ministro da Saúde (governos Collor e FHC), secretário da Saúde do Estado de São Paulo (governo Maluf) e diretor do Incor.

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