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TENDÊNCIAS/DEBATES
Direito de defesa corre risco em todo o mundo
LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO
Caso esse conjunto de direitos e deveres venha a ser desrespeitado, a missão do advogado
fica comprometida
INQUESTIONAVELMENTE, o nível
de respeito aos direitos e prerrogativas da advocacia espelha o grau
de cristalização do Estado democrático de Direito de um país. Mas, nos últimos tempos, essa prática não vem se
confirmando nem mesmo em países
de longa tradição democrática, como
a França e a Itália, entre outros da Comunidade Européia.
Além do desrespeito por parte de
autoridades francesas e italianas, a
conceituada União Internacional dos
Advogados (UIA), entidade com 80
anos existência, registra também
abusos nos Estados Unidos, em Portugal e na Polônia, onde as afrontas
apontam violação do sigilo profissional, um direito fundamental na relação entre advogado e cliente.
Há, com freqüência, abusos em países em que o exercício profissional está perenemente em risco, nas nações
submetidas a regimes de exceção ou
em democracias muito frágeis.
Violações são comuns na China, no
Vietnã, na Coréia do Norte, no Paquistão, nos países do Leste europeu
e em antigas Repúblicas que pertenciam à ex-URSS, entre outros, os
quais carecem de uma relação mais
harmônica entre os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo.
Há uma prática comum do inter-relacionamento arbitrário de um Poder subjugando o outro. Mas nada pode sustentar afrontas registradas em
grandes democracias européias.
Como explicar que, em um dos berços da civilização moderna e do direito ocidental, a Itália, escritórios de
advogados sejam invadidos pela polícia em busca das confidências de
clientes?
Nos EUA, aprovou-se lei que admite a violação da privacidade entre advogado e cliente -historicamente, a
ética profissional sempre assegurou o
segredo entre o defensor e o acusado
em todas as democracias do planeta.
Quando as violações se mostram
recorrentes em democracias consolidadas, devemos ficar ainda mais alertas. Existe algo errado.
Torna-se fundamental antever e
enfrentar quaisquer abusos contra as
prerrogativas profissionais dos advogados que estão a assegurar o direito
constitucional da ampla defesa e do
contraditório a todos os cidadãos.
A OAB-SP tem, dessa forma, se postado e reagido contra todos os tipos
de violência praticados contra os advogados no exercício profissional.
Exemplos não faltam. São autoridades que impedem advogados de ter
acesso aos autos, de estar em contato
com seus clientes e até aquelas que
autorizam a violação dos escritórios
de advocacia em busca de provas contra os acusados, como aconteceu recentemente no Brasil, ignorando diplomas legais.
Atos desse calibre mutilam a nossa
Constituição Federal e violentam a lei
federal 8.906/1994, que garante a inviolabilidade do local de trabalho, de
arquivos, dos dados, da correspondência e da comunicação dos advogados, numa garantia ao direito de defesa do cidadão.
Temos reagido no plano institucional, com protesto formal aos poderes
constituídos, e no plano legislativo,
realizando pressão legítima sobre o
Congresso para aprovação de projeto
de lei que apresentamos objetivando
a criminalização da violação às nossas
prerrogativas profissionais.
A lei federal 8.906/1994, que estabeleceu o Estatuto da Advocacia, coloca o advogado como indispensável à
administração da Justiça por prestar
um serviço público e exercer função
social. Ora, à evidência, esse escopo
de atribuições só pode ser cumprido
mediante a garantia integral das prerrogativas profissionais.
Caso esse conjunto de direitos e deveres venha a ser desrespeitado, a
missão do advogado fica comprometida, porque a defesa só pode prosperar se o advogado estiver amparado
por pressupostos legais que assegurem sua independência profissional.
Durante o período do governo de
exceção no Brasil, cidadãos eram convocados a depor como testemunhas e
acabavam instados a confessar crimes contra o regime, sendo levados à
auto-incriminação. Os advogados
eram, então, o último bastião de defesa, arriscando, muitas vezes, suas próprias vidas, porque não havia prerrogativas nas quais se escudarem.
Não podemos -e não queremos-
voltar aos tempos sombrios e obscuros do regime ditatorial. O Brasil vive
um novo tempo, e a plenitude democrática deve garantir o respeito a essas prerrogativas profissionais -que,
na verdade, estão assegurando o sagrado direito de defesa de todos os cidadãos.
LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO, 47, advogado criminalista, mestre e doutor em direito penal pela USP, é o presidente da OAB-SP (seccional paulista do Ordem dos Advogados do Brasil).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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