|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OTAVIO FRIAS FILHO
Nova ameaça
Quando se fala em terrorismo
-sobretudo em terror que assassina multidões, como no 11 de Setembro e no 11 de Março-, faltam adjetivos à altura. Atroz, revoltante, insano etc. tentam expressar o repúdio
mais cabal, mas também indicam
nossa perplexidade diante de atos que
beiram o incompreensível. Existe,
sem dúvida, um componente psicopatológico na origem desses crimes.
Mas há também uma lógica política,
por mais delirante que seja. O objetivo
do terror pode ser o de fomentar a ciranda de retaliações que enfraquece os
setores moderados nos dois campos
em conflito, inviabilizando um acordo. Essa tem sido a lógica do terrorismo palestino, por exemplo, que suscitou por parte do governo de Israel
uma política que muitos qualificam
como terrorismo de Estado.
A outra lógica a que o terrorismo
pode obedecer visa quase o efeito contrário. Ou seja, disseminar o medo de
tal forma que a população, intimidada, pressione as autoridades para fazer concessões aos fanáticos. Esse é o
sentido político da ação do ETA, por
exemplo, grupo terrorista basco que
não conta nem mesmo com o álibi da
opressão social -inexistente na próspera região que pretende emancipar.
Embora os atentados de Madri sejam creditados a células islâmicas vinculadas à Al Qaeda, foi um efeito político deste segundo tipo que colheram.
Por mais que a tentativa do governo
Aznar de manipular o episódio, atribuído prematuramente ao ETA, tenha
irritado o eleitorado espanhol e contribuído para a vitória dos socialistas,
não se pode descartar outra motivação na virada eleitoral de última hora.
Ao contrário da maioria dos americanos, os europeus não parecem dispostos a sacrificar a mais mínima parcela de seu conforto em nome de interesses geopolíticos. É um continente
que já viu esse filme e já virou essa página. A maioria dos europeus é pacifista por convicção -não há motivo
para duvidar disso-, mas também
por amor a seu ameno estilo de vida.
Os atentados de 11 de março parecem prejudicar a política unilateral e
beligerante do presidente americano.
E não tanto porque eles reforçam a resistência dos governos europeus a essa
política -tal resistência é pouco mais
que mera retórica. Mas, se os atentados mostram que a ameaça terrorista
está viva (o que é bom para Bush),
mostram também que sua política para desmantelar a rede Al Qaeda tem sido errada ou, ao menos, insuficiente.
Contra essa política, fala-se em atacar "as causas do terrorismo", um discurso vago e leniente parecido com
aquele outro que alude às causas profundas da criminalidade, de lenta e difícil remoção, enquanto as pessoas
vão sendo assaltadas e mortas. Bush
decepou o Taleban afegão, que hospedava a Al Qaeda -nada mais legítimo. A guerra contra o Iraque, porém,
foi preparada com base em argumentos falsos, que nada tinham a ver com
terrorismo ou Al Qaeda.
Essa rede de extremistas islâmicos
parece funcionar com base em células
autônomas e dispersas, que podem
prescindir do respaldo de um Estado
nacional, como o Afeganistão dos talebans. A guerra convencional talvez
não funcione, de fato, contra essa
ameaça. A alternativa, ainda mais perturbadora, parece ser o incremento da
dimensão policial nos Estados democráticos -uma espécie de totalitarismo consentido e disfarçado.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: O prazer dos deuses Próximo Texto: Frases
Índice
|