São Paulo, quinta-feira, 18 de março de 2004

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OTAVIO FRIAS FILHO

Nova ameaça

Quando se fala em terrorismo -sobretudo em terror que assassina multidões, como no 11 de Setembro e no 11 de Março-, faltam adjetivos à altura. Atroz, revoltante, insano etc. tentam expressar o repúdio mais cabal, mas também indicam nossa perplexidade diante de atos que beiram o incompreensível. Existe, sem dúvida, um componente psicopatológico na origem desses crimes.
Mas há também uma lógica política, por mais delirante que seja. O objetivo do terror pode ser o de fomentar a ciranda de retaliações que enfraquece os setores moderados nos dois campos em conflito, inviabilizando um acordo. Essa tem sido a lógica do terrorismo palestino, por exemplo, que suscitou por parte do governo de Israel uma política que muitos qualificam como terrorismo de Estado.
A outra lógica a que o terrorismo pode obedecer visa quase o efeito contrário. Ou seja, disseminar o medo de tal forma que a população, intimidada, pressione as autoridades para fazer concessões aos fanáticos. Esse é o sentido político da ação do ETA, por exemplo, grupo terrorista basco que não conta nem mesmo com o álibi da opressão social -inexistente na próspera região que pretende emancipar.
Embora os atentados de Madri sejam creditados a células islâmicas vinculadas à Al Qaeda, foi um efeito político deste segundo tipo que colheram. Por mais que a tentativa do governo Aznar de manipular o episódio, atribuído prematuramente ao ETA, tenha irritado o eleitorado espanhol e contribuído para a vitória dos socialistas, não se pode descartar outra motivação na virada eleitoral de última hora.
Ao contrário da maioria dos americanos, os europeus não parecem dispostos a sacrificar a mais mínima parcela de seu conforto em nome de interesses geopolíticos. É um continente que já viu esse filme e já virou essa página. A maioria dos europeus é pacifista por convicção -não há motivo para duvidar disso-, mas também por amor a seu ameno estilo de vida.
Os atentados de 11 de março parecem prejudicar a política unilateral e beligerante do presidente americano. E não tanto porque eles reforçam a resistência dos governos europeus a essa política -tal resistência é pouco mais que mera retórica. Mas, se os atentados mostram que a ameaça terrorista está viva (o que é bom para Bush), mostram também que sua política para desmantelar a rede Al Qaeda tem sido errada ou, ao menos, insuficiente.
Contra essa política, fala-se em atacar "as causas do terrorismo", um discurso vago e leniente parecido com aquele outro que alude às causas profundas da criminalidade, de lenta e difícil remoção, enquanto as pessoas vão sendo assaltadas e mortas. Bush decepou o Taleban afegão, que hospedava a Al Qaeda -nada mais legítimo. A guerra contra o Iraque, porém, foi preparada com base em argumentos falsos, que nada tinham a ver com terrorismo ou Al Qaeda.
Essa rede de extremistas islâmicos parece funcionar com base em células autônomas e dispersas, que podem prescindir do respaldo de um Estado nacional, como o Afeganistão dos talebans. A guerra convencional talvez não funcione, de fato, contra essa ameaça. A alternativa, ainda mais perturbadora, parece ser o incremento da dimensão policial nos Estados democráticos -uma espécie de totalitarismo consentido e disfarçado.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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