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RUY CASTRO
Aquela água
RIO DE JANEIRO - Os cientistas
advertem. Depois de passar décadas subindo apenas alguns centímetros por ano, o mar pode se elevar em, no mínimo, 1,80 m até o ano
de 2100. O motivo é aquele, tão denunciado pelos ecologistas e desprezado pelas potências egoístas,
para quem o problema não é com
elas: o degelo das calotas polares e a
expansão térmica, significando um
aquecimento que provoca o aumento de volume da água.
Para os entendidos, as primeiras
regiões a serem atingidas serão o
oeste do oceano Pacífico, o litoral
da Austrália e a Groenlândia. Mas
nós, no Rio, devemos botar as barbas literalmente de molho. Talvez
quem more em Santa Teresa, no
Cosme Velho, no Horto, no Alto Leblon e em outros bairros mais altos
não se sinta tão ameaçado. Os cidadãos da orla, no entanto, já podem
imaginar o que 2100 lhes reserva.
Certo dia, o mar dará um longo
suspiro, como se perdesse de vez a
paciência, e transbordará de sua
caixa. Cobrirá a praia, atravessará
as pistas e os canteiros, jogar-se-á
contra os prédios e entrará pelas garagens, arrastando cardumes de
sardinhas e manjubas. Os carros
boiarão, ficarão se chocando uns
contra os outros e a areia penetrará
em seus motores.
Peixes que, com razão, mantinham distância do homem quando
este entrava no mar, tomarão as
portarias de assalto e terão de socializar com zeladores, síndicos e
membros do conselho fiscal dos
condomínios. Os polvos se recusarão a estender a mão. A água subirá
acima do 1,80 m previsto e atingirá
os playgrounds, salões de festas e
primeiros andares. Os elevadores
serão interditados. As caixas de gordura explodirão. Enfim, o caos.
Você dirá que, em 2100, eu não
estarei mais aqui, nem vocês, nem
nenhum de nós. Pelos padrões de
hoje, é provável. Mas, com os avanços da medicina, sabe-se lá?
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