São Paulo, quarta-feira, 18 de março de 2009

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RUY CASTRO

Aquela água

RIO DE JANEIRO - Os cientistas advertem. Depois de passar décadas subindo apenas alguns centímetros por ano, o mar pode se elevar em, no mínimo, 1,80 m até o ano de 2100. O motivo é aquele, tão denunciado pelos ecologistas e desprezado pelas potências egoístas, para quem o problema não é com elas: o degelo das calotas polares e a expansão térmica, significando um aquecimento que provoca o aumento de volume da água.
Para os entendidos, as primeiras regiões a serem atingidas serão o oeste do oceano Pacífico, o litoral da Austrália e a Groenlândia. Mas nós, no Rio, devemos botar as barbas literalmente de molho. Talvez quem more em Santa Teresa, no Cosme Velho, no Horto, no Alto Leblon e em outros bairros mais altos não se sinta tão ameaçado. Os cidadãos da orla, no entanto, já podem imaginar o que 2100 lhes reserva.
Certo dia, o mar dará um longo suspiro, como se perdesse de vez a paciência, e transbordará de sua caixa. Cobrirá a praia, atravessará as pistas e os canteiros, jogar-se-á contra os prédios e entrará pelas garagens, arrastando cardumes de sardinhas e manjubas. Os carros boiarão, ficarão se chocando uns contra os outros e a areia penetrará em seus motores.
Peixes que, com razão, mantinham distância do homem quando este entrava no mar, tomarão as portarias de assalto e terão de socializar com zeladores, síndicos e membros do conselho fiscal dos condomínios. Os polvos se recusarão a estender a mão. A água subirá acima do 1,80 m previsto e atingirá os playgrounds, salões de festas e primeiros andares. Os elevadores serão interditados. As caixas de gordura explodirão. Enfim, o caos.
Você dirá que, em 2100, eu não estarei mais aqui, nem vocês, nem nenhum de nós. Pelos padrões de hoje, é provável. Mas, com os avanços da medicina, sabe-se lá?


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