São Paulo, terça-feira, 18 de abril de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ROBERTO MANGABEIRA UNGER

O enigma e a solução

São os seguintes os elementos do quebra-cabeças que o Brasil enfrenta para a definição de seu futuro nacional.
Em primeiro lugar, o país precisa de alternativa que funde novo ciclo de desenvolvimento sobre a base da democratização de oportunidades de ensino e de trabalho. Para isso, a dívida pública interna tem de ser reordenada, estancando a transferência maciça de recursos de trabalhadores e produtores para rentistas. Os poderes e os recursos do Estado têm de ser empenhados para abrir caminho -acesso a crédito, tecnologia e conhecimento- em favor da multidão de empreendedores emergentes e desequipados. O Brasil tem de parar de apostar em força de trabalho barata e desqualificada. A melhora do ensino público tem de virar a prioridade da política social. E a troca de financiamento eleitoral por proteção pública de interesses privados tem de acabar. Nada de milagreiro: o mínimo para que a nação se possa soerguer.
Em segundo lugar, as duas agremiações partidárias que, a partir de São Paulo, dominam a política brasileira -a que governava antes e a que governa agora, capitaneadas pelo PSDB e pelo PT palaciano- fazem parte do problema, não da solução. Mentalmente colonizadas, aceitaram receituário ruinoso, fornecido pelas autoridades políticas, econômicas e acadêmicas da potência dominante. Esse comportamento, de tutelado obediente, contrasta com a postura rebelde das elites de países como os Estados Unidos, a Alemanha e o Japão nas épocas de sua ascensão.
Em terceiro lugar, há em nossa classe média -tanto a tradicional como a dos emergentes- vontade intensa e frustrada de encontrar saída. Maior vítima da política estabelecida, ela continua a ser o centro de gravidade de nossa vida pública: é dela que sempre saíram os movimentos de reorientação nacional. Se ela virar as costas para a política, o campo fica aberto para o continuísmo desesperado. E o presidente -isolado e enfraquecido, determinado menos a chegar a qualquer porto do que a não sacudir o barco- tenderá a ser reeleito.
Em quarto lugar, estão praticamente neutralizados os partidos que teriam como reagir: o PMDB por falta de rumo e de estofo, o PSOL por falta de vínculo entre o que o esquerdismo tradicional tem a oferecer e o que o país tem a exigir e quase todos os outros partidos médios e pequenos por falta de vigor para resistirem às conseqüências da verticalização e da cláusula de barreira.
A solução desse quebra-cabeças é a seguinte. Antes da eleição, insistir em construir alternativa, de proposta e de candidatura, com os instrumentos partidários e humanos que existem, não com os que gostaríamos que existissem. E dialogar, sem preconceitos e sem ilusões, com todas as forças e com todos os candidatos, na tentativa de encontrar aliados e oportunidades inesperados. Persiste a possibilidade de surpresa e de reviravolta na sucessão presidencial. Depois da eleição, quando a operação da cláusula da barreira forçar fusões partidárias, reunir num mesmo partido, sob nova liderança, os que não se conformam em ver o Brasil entregue à soma da política da confiança financeira com a política das compensações sociais, paga esta com as migalhas concedidas por aquela. E fazer com que esse partido se torne o que o PMDB e o PT deixaram, há tempo, de ser. Muito do trabalho de antes da eleição ajudará a cumprir a tarefa de depois da eleição. Comecemos.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.

www.law.harvard.edu/unger


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A nudez do rei e a nossa
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.