|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ROBERTO MANGABEIRA UNGER
O enigma e
a solução
São os seguintes os elementos do
quebra-cabeças que o Brasil enfrenta para a definição de seu futuro
nacional.
Em primeiro lugar, o país precisa de
alternativa que funde novo ciclo de
desenvolvimento sobre a base da democratização de oportunidades de
ensino e de trabalho. Para isso, a dívida pública interna tem de ser reordenada, estancando a transferência maciça de recursos de trabalhadores e
produtores para rentistas. Os poderes
e os recursos do Estado têm de ser empenhados para abrir caminho -acesso a crédito, tecnologia e conhecimento- em favor da multidão de empreendedores emergentes e desequipados. O Brasil tem de parar de apostar em força de trabalho barata e desqualificada. A melhora do ensino público tem de virar a prioridade da política social. E a troca de financiamento
eleitoral por proteção pública de interesses privados tem de acabar. Nada
de milagreiro: o mínimo para que a
nação se possa soerguer.
Em segundo lugar, as duas agremiações partidárias que, a partir de São
Paulo, dominam a política brasileira
-a que governava antes e a que governa agora, capitaneadas pelo PSDB
e pelo PT palaciano- fazem parte do
problema, não da solução. Mentalmente colonizadas, aceitaram receituário ruinoso, fornecido pelas autoridades políticas, econômicas e acadêmicas da potência dominante. Esse
comportamento, de tutelado obediente, contrasta com a postura rebelde
das elites de países como os Estados
Unidos, a Alemanha e o Japão nas
épocas de sua ascensão.
Em terceiro lugar, há em nossa classe média -tanto a tradicional como a
dos emergentes- vontade intensa e
frustrada de encontrar saída. Maior
vítima da política estabelecida, ela
continua a ser o centro de gravidade
de nossa vida pública: é dela que sempre saíram os movimentos de reorientação nacional. Se ela virar as costas
para a política, o campo fica aberto para o continuísmo desesperado. E o
presidente -isolado e enfraquecido,
determinado menos a chegar a qualquer porto do que a não sacudir o barco- tenderá a ser reeleito.
Em quarto lugar, estão praticamente
neutralizados os partidos que teriam
como reagir: o PMDB por falta de rumo e de estofo, o PSOL por falta de
vínculo entre o que o esquerdismo
tradicional tem a oferecer e o que o
país tem a exigir e quase todos os outros partidos médios e pequenos por
falta de vigor para resistirem às conseqüências da verticalização e da cláusula de barreira.
A solução desse quebra-cabeças é a
seguinte. Antes da eleição, insistir em
construir alternativa, de proposta e de
candidatura, com os instrumentos
partidários e humanos que existem,
não com os que gostaríamos que existissem. E dialogar, sem preconceitos e
sem ilusões, com todas as forças e com
todos os candidatos, na tentativa de
encontrar aliados e oportunidades
inesperados. Persiste a possibilidade
de surpresa e de reviravolta na sucessão presidencial. Depois da eleição,
quando a operação da cláusula da barreira forçar fusões partidárias, reunir
num mesmo partido, sob nova liderança, os que não se conformam em
ver o Brasil entregue à soma da política da confiança financeira com a política das compensações sociais, paga
esta com as migalhas concedidas por
aquela. E fazer com que esse partido se
torne o que o PMDB e o PT deixaram,
há tempo, de ser. Muito do trabalho
de antes da eleição ajudará a cumprir
a tarefa de depois da eleição. Comecemos.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A nudez do rei e a nossa Próximo Texto: Frases
Índice
|