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Crise da UnB, fundações "de apoio" e o MEC
CÉSAR AUGUSTO MINTO, CIRO T. CORREIA e PEDRO ESTEVAM DA ROCHA POMAR
O apoio autoproclamado pelas fundações é fictício. Na USP, a maioria delas não repassa mais do que 5% de suas receitas à universidade
A RENÚNCIA do reitor da UnB
(Universidade de Brasília) foi o
desfecho de uma crise gerada
pela atuação da Finatec (Fundação de
Empreendimentos Científicos e Tecnológicos), uma das inúmeras fundações privadas ditas de apoio que agem
nas universidades públicas do Brasil.
Note-se que a rebelião estudantil
elencou entre os seus principais alvos
as quatro fundações "de apoio" ligadas à UnB.
Pressionado pelos acontecimentos,
o MEC (Ministério da Educação) decidiu agir. Mas, em vez de atender à
comunidade universitária e adotar as
providências necessárias para proibir
definitivamente a existência de vínculos entre universidades públicas e
fundações privadas, optou por uma
série de medidas paliativas.
Uma dessas medidas estipula que
pelo menos um terço dos membros
dos conselhos deliberativos dessas
fundações seja indicado pelo conselho universitário, principal colegiado
da universidade pública.
Ora, tal medida é ilegal: órgãos públicos não podem preencher cargos
pertencentes a instituições privadas.
E é um erro, porque é precisamente a
promiscuidade entre o público e o
privado que se deve evitar!
Muitas fundações já contam com a
participação de autoridades universitárias em diretorias e conselhos, sem
que isso garanta lisura ou transparência aos atos dessas entidades. Pelo
contrário: o conflito de interesses tem
sido a norma nessas relações.
Outra medida pretende que pelo
menos dois terços dos professores da
instituição pública estejam envolvidos nos projetos de pesquisa financiados por tais fundações.
É uma agressão à verdadeira pesquisa acadêmica, que nunca dependeu dessas organizações privadas.
Quem financia a pesquisa no Brasil
são agências públicas de fomento
(Capes, CNPq, Finep, Fapesp e outras) e órgãos públicos. Fundações
"de apoio", quando muito, são intermediárias de recursos públicos.
Afinal, o que são e como agem essas
organizações privadas?
Fundações ditas de apoio são constituídas, inicialmente, por grupos de
professores detentores de posições
importantes na burocracia universitária. Diferentemente das fundações
autênticas, que se constituem em torno de patrimônio material tangível
(espólios, recursos financeiros, obras
de arte), as "de apoio" se apoderam de
um bem simbólico, explorando a
"marca" e o prestígio das universidades públicas a que se vinculam, e dos
bens materiais destas: recursos humanos, prédios, equipamentos.
O apoio autoproclamado pelas fundações é fictício. Na USP, a maioria
delas não repassa mais do que 5% de
suas receitas anuais à universidade
que dizem apoiar! O montante anual
de recursos repassados por cerca de
30 dessas organizações equivale a 1%
ou menos do orçamento total da USP,
bancado quase exclusivamente por
verba pública (ICMS).
Nas universidades federais, o quadro é semelhante, mas o governo precisa cumprir a promessa de dotar essas instituições com os recursos necessários, em vez de estimular aventuras privatizantes.
A maior parte dos recursos auferidos por essas fundações se destina,
portanto, a remunerar os docentes
que organizam e oferecem cursos pagos, assessorias, projetos de consultoria e outros serviços contratados sem
licitação por entes públicos federais,
estaduais e municipais.
Embora supostamente sem fins lucrativos, essas organizações atuam
como empresas em busca de negócios
rentáveis. Em certas unidades da
USP, como a Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade e a
Escola Politécnica, as fundações criaram uma indústria de cursos pagos,
ao arrepio do artigo 206 da Constituição, que exige a gratuidade nos estabelecimentos oficiais de ensino.
As distorções multiplicam-se na
medida em que essas organizações
se autonomizam completamente. O
"affair" Finatec conjuga superfaturamento de contratos, um desvio de R$
100 milhões, mordomias, construção
de um shopping center etc.
Fundações ditas de apoio e seus defensores nas reitorias têm recebido
centenas de condenações e multas no
TCU, bem como têm sido réus, Brasil
afora, em diversas ações movidas por
promotores de Justiça e Ministério
Público Federal.
Em 2007, a Adusp (Associação dos
Docentes da USP) enviou à CPI das
ONGs um alentado dossiê sobre as
atividades dessas fundações. Já é
tempo de pôr um fim nos vínculos nefastos entre essas organizações privadas e as universidades públicas.
CÉSAR AUGUSTO MINTO, 58, professor doutor da Faculdade de Educação da USP, é vice-presidente da Adusp (Associação dos Docentes da USP).
CIRO T. CORREIA, 51, é professor associado do Instituto
de Geociências da USP.
PEDRO ESTEVAM DA ROCHA POMAR, 50, jornalista, é
editor da "Revista Adusp".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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