São Paulo, sexta-feira, 18 de junho de 2010

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JOSÉ SARNEY

Penta e nenhum Nobel

Há anos, prego estar a identidade brasileira na cultura popular, e nesta a cultura do futebol, uma das mais fortes, ao lado do Carnaval, do sincretismo religioso, da dança, da música e de tantas e tão diversas manifestações cujo sucesso é o gosto do povo.
Na formação social do país, uma das páginas mais vazias, quase em branco, é sobre os jogos. Na monumental obra de Gilberto Freyre, "Casa-Grande e Senzala", quase nada aparece sobre a existência de jogos coletivos. Nem em Sérgio Buarque de Holanda, nem em outros antropólogos e sociólogos.
Os colonizadores traziam de suas metrópoles os jogos de casa, das cartas, dos dados, das peças de xadrez. Graças a Deus não nos trouxeram os violentos jogos de gladiadores, que nem chegaram à península Ibérica, nem as violentas touradas da Espanha, que não pegaram em Portugal, onde se embolava o chifre dos touros e não os matavam.
O futebol, assim, não está nas nossas origens latinas. Ele pertence aos hábitos anglo-saxônicos, como outros jogos de bolas de todos os tipos. Diz-se que chegou ao Brasil, em 1894, com Charles Miller, que o trouxe da Inglaterra.
Era divertimento de aristocratas e ricos, praticado em clubes fundados por estrangeiros, coisa de gente fina. E até criaram a história de um mulato, no campeonato de 1914, cobrir-se de pó de arroz para parecer branco, tão forte era o elitismo do futebol.
A grande lacuna que não se explica é como passou de um jogo de ricos e brancos para ser a paixão de pobres, negros, mulatos, cafuzos, brancos e abastados. Todos. Roberto Da Matta, um dos poucos estudiosos da sociologia do futebol, atribui à sua simplicidade de regra, fácil de aprender e de ensinar.
Eu acrescentaria a oferta de espaços -que, num país vasto como o nosso, estão disponíveis em todo lugar-, o clima quente e a facilidade de relacionamento. Depois o custo, quase nada, só uma bola, que no princípio era de meia ou pano.
O certo é que foi invadindo todo o país e revelou-se como um esporte de aptidão para o brasileiro miscigenado, cuja vocação para a convivência fora formada em Portugal, quando visigodos, romanos, celtas, judeus assimilaram os mouros e aqui os fortes sangues negro e índio, formando essa nossa raça que se apaixonou pela bola.
O país do futebol. Nada mais democrático que estádio de futebol. Não há diferença de raça nem de religião, nem de pobre e rico. Todos são torcedores, como agora nas ruas, casas, praças e botequins.
Somos pentacampeões, mas não temos um Prêmio Nobel de Literatura. A África do Sul tem dois: Nadine Gordimer e o angustiado Coetzee. Vamos ver a jabulani rolar.

JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.

jose-sarney@uol.com.br



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