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JOSÉ SARNEY
Penta e nenhum Nobel
Há anos, prego estar a identidade brasileira na cultura
popular, e nesta a cultura do
futebol, uma das mais fortes,
ao lado do Carnaval, do sincretismo religioso, da dança,
da música e de tantas e tão diversas manifestações cujo sucesso é o gosto do povo.
Na formação social do país,
uma das páginas mais vazias,
quase em branco, é sobre os
jogos. Na monumental obra
de Gilberto Freyre, "Casa-Grande e Senzala", quase nada aparece sobre a existência
de jogos coletivos. Nem em
Sérgio Buarque de Holanda,
nem em outros antropólogos e
sociólogos.
Os colonizadores traziam
de suas metrópoles os jogos de
casa, das cartas, dos dados,
das peças de xadrez. Graças a
Deus não nos trouxeram os
violentos jogos de gladiadores, que nem chegaram à península Ibérica, nem as violentas touradas da Espanha,
que não pegaram em Portugal, onde se embolava o chifre
dos touros e não os matavam.
O futebol, assim, não está
nas nossas origens latinas. Ele
pertence aos hábitos anglo-saxônicos, como outros jogos de
bolas de todos os tipos. Diz-se
que chegou ao Brasil, em
1894, com Charles Miller, que
o trouxe da Inglaterra.
Era divertimento de aristocratas e ricos, praticado em clubes fundados por estrangeiros, coisa
de gente fina. E até criaram a
história de um mulato, no
campeonato de 1914, cobrir-se
de pó de arroz para parecer
branco, tão forte era o elitismo
do futebol.
A grande lacuna que não se
explica é como passou de um
jogo de ricos e brancos para
ser a paixão de pobres, negros, mulatos, cafuzos, brancos e abastados. Todos.
Roberto Da Matta, um dos
poucos estudiosos da sociologia do futebol, atribui à sua
simplicidade de regra, fácil de
aprender e de ensinar.
Eu
acrescentaria a oferta de espaços -que, num país vasto como o nosso, estão disponíveis
em todo lugar-, o clima quente e a facilidade de relacionamento. Depois o custo, quase
nada, só uma bola, que no
princípio era de meia ou pano.
O certo é que foi invadindo
todo o país e revelou-se como
um esporte de aptidão para o
brasileiro miscigenado, cuja
vocação para a convivência fora formada em Portugal,
quando visigodos, romanos,
celtas, judeus assimilaram os
mouros e aqui os fortes sangues negro e índio, formando
essa nossa raça que se apaixonou pela bola.
O país do futebol. Nada
mais democrático que estádio
de futebol. Não há diferença
de raça nem de religião, nem
de pobre e rico. Todos são torcedores, como agora nas ruas,
casas, praças e botequins.
Somos pentacampeões,
mas não temos um Prêmio Nobel de Literatura. A África do
Sul tem dois: Nadine Gordimer e o angustiado Coetzee.
Vamos ver a jabulani rolar.
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta
coluna.
jose-sarney@uol.com.br
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