São Paulo, quarta-feira, 18 de julho de 2007

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ANTONIO DELFIM NETTO

Finalmente, a urna

A LGUMAS INSTITUIÇÕES financeiras produzem documentos de análise econômica de alta qualidade e muito úteis: 1º) são bem informados e atualizados; 2º) dissolvem a hermética linguagem dentro da qual se escondem os "cientistas", tornando acessível o conhecimento que pode importar para quem dele precisa fazer uso e 3º) utilizam a técnica visual (gráficos sugestivos) para convencer os leitores da razoável validade de suas conclusões. Mas, da mesma forma que todo trabalho de economia -mesmo os acadêmicos que se pretendem isentos de juízos de valor- é produto de profissionais que se esforçam para esconder a componente ideológica (às vezes inconsciente) na sua forma de "ver o mundo".
Como é óbvio, isso não é um pecado capital, porque nenhum de nós consegue despir-se de si mesmo: todos criticamos a ideologia do "outro", sob o prisma da nossa própria. Esse fato tem menor importância do que parece, porque o objetivo de toda a boa teoria é produzir conclusões testáveis num tempo finito bem determinado. Os relatórios das instituições financeiras são de alta freqüência (diários, semanais, mensais) e lidos por milhares de pessoas interessadas (que lhe entregaram seu patrimônio), de forma que rapidamente suas conclusões são comparadas com a realidade que vêem os seus leitores. São exatamente essas alta freqüência e efêmera validade de cada previsão que exigem dos analistas a incorporação de novos fenômenos para ajustá-las àquela realidade.
Um exemplo desse progresso pode ser apreciado no último número da magnífica série da Goldman Sachs "Global Economics Paper" (nº 158, 6/7/07), onde se estuda a piora da desigualdade na distribuição de renda nos países mais desenvolvidos que ocorreu durante o processo de globalização. Como de costume a análise econômica é de muito boa qualidade, mas revela um novo avanço: a inclusão dos resultados da urna nas suas conclusões. "O aumento da desigualdade", diz o trabalho, "tem, por razões óbvias, importante significação política. O chamado modelo do eleitor mediano nas decisões políticas prevê que os políticos serão orientados por ele. Quando a desigualdade na sociedade aumenta, o eleitor mediano fica mais pobre relativamente à média. Dessa forma", conclui o trabalho, "ele vai desenvolver um apetite crescente para medidas redistributivas de renda à medida que a desigualdade aumenta".
Esse é o ponto: a urna pode introduzir uma descontinuidade na "racionalidade" que produziu o aumento da desigualdade...

contatodelfimnetto@uol.com.br

ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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