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ANTONIO DELFIM NETTO
Finalmente, a urna
A LGUMAS INSTITUIÇÕES financeiras produzem documentos de análise econômica de alta qualidade e muito úteis:
1º) são bem informados e atualizados; 2º) dissolvem a hermética linguagem dentro da qual se escondem os "cientistas", tornando acessível o conhecimento que pode importar para quem dele precisa fazer uso e 3º) utilizam a técnica visual (gráficos sugestivos) para convencer os leitores da razoável validade de suas conclusões. Mas, da
mesma forma que todo trabalho de
economia -mesmo os acadêmicos
que se pretendem isentos de juízos
de valor- é produto de profissionais que se esforçam para esconder
a componente ideológica (às vezes
inconsciente) na sua forma de "ver
o mundo".
Como é óbvio, isso não é um pecado capital, porque nenhum de
nós consegue despir-se de si mesmo: todos criticamos a ideologia do
"outro", sob o prisma da nossa própria. Esse fato tem menor importância do que parece, porque o objetivo de toda a boa teoria é produzir conclusões testáveis num tempo finito bem determinado. Os relatórios das instituições financeiras são de alta freqüência (diários,
semanais, mensais) e lidos por milhares de pessoas interessadas
(que lhe entregaram seu patrimônio), de forma que rapidamente
suas conclusões são comparadas
com a realidade que vêem os seus
leitores. São exatamente essas alta
freqüência e efêmera validade de
cada previsão que exigem dos analistas a incorporação de novos fenômenos para ajustá-las àquela
realidade.
Um exemplo desse progresso pode ser apreciado no último número
da magnífica série da Goldman
Sachs "Global Economics Paper"
(nº 158, 6/7/07), onde se estuda a
piora da desigualdade na distribuição de renda nos países mais desenvolvidos que ocorreu durante o
processo de globalização. Como de
costume a análise econômica é de
muito boa qualidade, mas revela
um novo avanço: a inclusão dos resultados da urna nas suas conclusões. "O aumento da desigualdade", diz o trabalho, "tem, por razões óbvias, importante significação política. O chamado modelo do
eleitor mediano nas decisões políticas prevê que os políticos serão
orientados por ele. Quando a desigualdade na sociedade aumenta, o
eleitor mediano fica mais pobre relativamente à média. Dessa forma", conclui o trabalho, "ele vai desenvolver um apetite crescente para medidas redistributivas de renda à medida que a desigualdade aumenta".
Esse é o ponto: a urna pode introduzir uma descontinuidade na
"racionalidade" que produziu o aumento da desigualdade...
contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.
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