|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BORIS FAUSTO
Rumos diversos
Rumos muito diversos tomaram
o Brasil e a Argentina na responsabilização dos acusados pela prática
de violação de direitos humanos na
época dos regimes militares.
No Brasil, as leis de anistia abrangeram vítimas e torturadores, pondo
uma pedra sobre o assunto. Nunca se
reviu a legislação, e o acerto de contas
com o triste passado limitou-se às indenizações às vítimas e aos seus parentes, algumas concedidas no curso
do governo Fernando Henrique e outras sendo objeto de processos judiciais que se arrastam há longos anos.
O caso da abertura dos arquivos secretos do Exército sobre a guerrilha do
Araguaia não altera substancialmente
esse quadro. Vale mais como exemplo
da "vacilação e indefinição" do atual
governo, não no dizer da oposição,
mas no do deputado petista Luiz
Eduardo Greenhalgh, advogado dos
parentes dos mortos.
Na Argentina, os principais personagens do regime militar foram processados e condenados até que, sob
pressão das Forças Armadas, duas leis
estancaram outros processos -as
chamadas leis de Obediência Devida e
Ponto Final, aprovadas por iniciativa
de governos tão diferentes quanto os
de Alfonsín e Menem. Mas o mal-estar
resultante da não-punição dos culpados permaneceu na sociedade como
uma ferida aberta, e a eleição do presidente Néstor Kirchner trouxe uma
surpresa.
Como se sabe, Kirchner lançou uma
ofensiva para que sejam declaradas
nulas as denominadas leis de impunidade, abrindo caminho para levar aos
tribunais pelo menos 2.000 militares e
membros da ditadura, acusados por
delitos de sequestros, torturas, homicídios, roubos e desaparição de milhares de cidadãos entre 1976 e 1983. A
decisão da Câmara dos Deputados
nesse sentido foi festejada nas ruas por
milhares de defensores dos direitos
humanos e permitiu também recuperar algo do prestígio do Parlamento,
em profunda baixa.
Ao mesmo tempo, a importante votação é apenas a primeira instância de
uma batalha que deve passar pelo Senado até chegar à Corte Suprema, onde estão instalados juízes suspeitos,
nomeados por Menem e hoje sob a
pressão dos novos tempos.
A diferença entre o Brasil e a Argentina no trato de violências e traumas
do passado revela um contraste de
culturas políticas e de sensibilidades.
Para o bem ou para o mal, nossa história é feita de transições e transações relativamente pacíficas -a Independência, a Abolição, o fim do regime
militar-, embora seja um exagero
identificar o Brasil com os traços de
uma "história incruenta". Tendemos
também a pôr uma pedra no passado
em nome da pacificação no presente,
enquanto a maioria dos argentinos,
prefere não esquecer o passado, integrando-o como elemento constitutivo
do presente. Vejam a persistência do
peronismo multiforme, nos dias
atuais, em contraste com a simples
memória do getulismo, quando memória existe.
Dizer o que é certo ou errado nas
respectivas culturas não faz muito
sentido. Melhor será levar as diferenças em conta para um melhor conhecimento recíproco, facilitando assim,
de ambos os lados, um entendimento
cada vez mais estreito.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Ordem e desordem Próximo Texto: Frases
Índice
|