São Paulo, segunda-feira, 18 de setembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Política e administração

MARCO MACIEL


Assim, a profissionalização das carreiras administrativas calcadas no mérito e na competência não pode deixar de ser a regra geral


A REFORMA institucional que o país exige pressupõe definir que fins cumpre a administração que não podem ser exercidos pela política e que objetivos políticos não podem ser supridos pelo aparelho administrativo do Estado para que se atendam os requisitos essenciais de racionalidade e eficiência.
A forma mais simples de entender os limites das duas esferas de atividade é buscar que papéis cada uma delas deve cumprir.
Numa simplificação fácil de ser entendida, a política deve decidir o que fazer, enquanto a administração deve responder à indagação de como fazê-lo. As decisões políticas, por sua vez, devem resultar de escolhas racionais entre alternativas viáveis.
Separar as funções políticas das funções administrativas do Estado impõe, desde logo, fixar limites claros e definidos entre os papéis que cabem aos representantes políticos da soberania nacional e os que devem ser desempenhados pelos agentes administrativos do Estado.
A aceitação desses limites é que permite aos governos distinguir as funções políticas que devem cumprir, sancionando, vetando ou deixando de exercer qualquer das duas prerrogativas, das atribuições administrativas que lhe são delegadas.
Sem o estrito cumprimento dessa distinção, que corresponde à aplicação prática do princípio filosófico da separação não só dos Poderes mas também das funções do Estado, perdem sentido preceitos usuais das declarações de direitos, como o de que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar fazer alguma coisa, senão em virtude da lei".
Lembrando Max Weber, que produziu tantos ensinamentos nesse campo, é preciso que a burocracia seja o suporte legítimo da dominação legal. Quanto mais explícitos forem os limites que separam a esfera de competências da política da esfera de atribuições dos agentes de administração, maior deve ser a racionalidade a cargo das diversas esferas de poder.
Nesse sentido, a reforma institucional da Federação só poderá ser considerada adequada ao equilíbrio exigido entre poderes locais, regionais e nacional se as competências concorrentes forem efetiva, nítida e explicitamente repartidas.
O "princípio da subsidariedade" é, portanto, o primeiro fundamento da repartição de competências e atribuições definidas no pacto constitucional: tudo o que puder ser feito pelo poder local não deve ser objeto das competências do poder estadual, e tudo quanto pode ser executado pelo poder regional não ficará a cargo do poder central.
No território da política, se requerem mecanismos nítidos e objetivos que evitem incompatibilidades entre os interesses privados dos representantes da soberania nacional e as decisões públicas das quais eles devem participar.
De igual maneira, na esfera administrativa, devem ser precisos os instrumentos de controle de sua eficiência e de aferição da impessoalidade das decisões que lhe são atribuídas.
Isso implica a necessidade de organização hierarquizada e de mecanismos que ensejem à sociedade responsabilizar seus agentes pelos abusos e excessos que cometerem. Por essas razões, a profissionalização das carreiras administrativas calcadas no mérito e na competência não pode deixar de ser a regra geral. E o provimento dos cargos que a lei declarar sujeitos à confiança pessoal, a exceção.
Com a observância de tais princípios, a atividade política servirá aos interesses de toda a sociedade, e a atividade administrativa, às exigências legítimas que a lei garante a cada cidadã ou cidadão.
É certo que, como aconselhou dom Pedro 2º a sua filha Isabel Cristina, "a política, principalmente entre nós, é volúvel, e dessa volubilidade se ressente tudo aquilo sobre o que ela influi".
Nada, contudo, pode estar acima do conceito clássico de que a separação efetiva da política e da administração é tão relevante para a democracia quanto o princípio da separação espacial e funcional dos Poderes do Estado.

MARCO MACIEL , 66, é senador pelo PFL-PE e membro da Academia Brasileira de Letras. Foi vice-presidente da República (95-98 e 99-2002), ministro da Educação (governo Sarney) e governador de Pernambuco (1978-85).


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