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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil é um país racista?
SIM
O racismo como conseqüência
ANTONIO SÉRGIO ALFREDO GUIMARÃES
EM 1998 , Pierre Bourdieu e Loïc
Wacquant se perguntavam, em
famoso libelo contra o imperialismo cultural norte-americano:
"Quando será publicado um livro intitulado "O Brasil Racista", segundo o
modelo da obra com o título cientificamente inqualificável, "La France
Raciste", de um sociólogo mais atento
às expectativas do campo jornalístico
do que às complexidades da realidade?" Igual desafio me coloca a Folha.
Eu respondo sim, somos um país
racista, se por racismo entendermos a
disseminação no nosso cotidiano de
práticas de discriminação e de atitudes preconceituosas que atingem
prioritariamente os pardos, os mestiços e os pretos. Práticas que diminuem as oportunidades dos negros de
competir em condições de igualdade
com pessoas mais claras em quase todos os âmbitos da vida social que resultam em poder ou riqueza.
Do mesmo modo, até recentemente era difícil achar uma face negra na
TV brasileira, em comerciais ou em
programas de entretenimento ou informação. Casos de violência policial
contra negros eram comuns, como o
era a detenção de negros por suspeição ou a proibição de usarem o elevador social em edifícios residenciais.
A presença de negros nas universidades, como professores ou alunos,
continua muito abaixo da proporção
de negros em nossa população. Para
culminar, o descaso dos poderes públicos para com os bairros periféricos
ou as regiões mais pobres do país torna ainda mais sofríveis os indicadores
sociais relativos a pretos e pardos.
As desigualdades raciais, ou seja, os
diferenciais de renda, saúde, emprego, educação etc. entre brancos, de
um lado, e pretos e pardos, de outro,
são gritantes e estão muito bem documentadas. A julgar pelos resultados,
portanto, somos racistas. E esse é o
modo como, no mundo atual, a sociologia e as instituições internacionais
definem o racismo. Não é pelas intenções, pelas doutrinas ou pela consciência racial, mas pelo resultado de
uma miríade de ações e omissões.
Como funciona o nosso "racismo
como conseqüência"? Desde os anos
de 1940 o sabemos. Não classificamos
por raça, mas por cor. Não acreditamos em grupos de descendência chamados "raças". Os nossos "grupos de
cor" são abertos, podem se alterar de
geração a geração, podem conviver
com certa mobilidade individual. São
classes, no sentido weberiano. Temos
e cultivamos, portanto, classes de cor.
Mas, apesar de fronteiras incertas
para o olhar europeu, não há dúvidas
de que pessoas e famílias no Brasil
pertencem a classes de cor bem determinadas, se fixarmos um momento no tempo. "Cores" são tão socialmente construídas quanto as "raças"
e delas derivadas.
Discriminamos abertamente as
pessoas por classe de cor ou de renda,
por local de nascimento ou aparência
física etc. Todas essas discriminações
são feitas em muito boa consciência
porque não acreditamos em "raças".
Não creio, entretanto, que nosso
racismo seja pior, como querem alguns militantes, porque mais difícil
de ser combatido e revertido.
Nos últimos dez anos, melhorou o
respeito aos direitos individuais, e a
representação de demandas coletivas
se revigorou no Brasil. Reconhecemos o nosso racismo. Isso levou a
uma sensível mudança de atitude, políticas novas estão sendo testadas.
Como explicar de outro modo a implantação de ações afirmativas ou
programas de inclusão social em tantas universidades públicas; a contratação de artistas e jornalistas negros
pelos meios de comunicação; a criminalização da discriminação; a diminuição das arbitrariedades policiais
contra os negros; o reconhecimento
das terras quilombolas etc.?
Tudo isso, porém, não podia ser feito sem que um movimento social poderoso se organizasse em torno da
reivindicação de igualdade racial contando com a solidariedade internacional. Um "imperialismo cultural"
de conseqüências republicanas e democráticas, eu diria.
Alguns temem que as "classes de
cor" se tornem "raças" pela força da
lei, ou seja, pelas políticas de inclusão
social e racial. Espero que se dê algo
bem diferente: se eficientes, essas políticas podem dissolver o racismo que
subsiste sob as classes de cor.
ANTONIO SÉRGIO ALFREDO GUIMARÃES, 57, Ph.D em
sociologia pela Universidade de Wisconsin-Madison, é
professor titular do Departamento de Sociologia da USP.
É autor, entre outras obras, de "Racismo e Anti-Racismo
no Brasil" e "Classes, Raças e Democracia"
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