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CARLOS HEITOR CONY
O filme e o livro
RIO DE JANEIRO - Não me incluo entre os devotos de Mário de Andrade,
mas considero sua melhor obra,
"Macunaíma", um dos dez livros
mais importantes da nossa literatura, indispensável ao conhecimento de
nossa alma cultural e social.
Daí que assisti a algumas poucas
filmagens da obra homônima, feita
por Joaquim Pedro de Andrade, com
quem pouco antes dividira uma cela
no quartel da PE. Vibrei com o seu
filme, assisti-o diversas vezes e sempre o colocava entre os dez melhores
filmes nacionais.
Outro dia, pererecando nos canais
da TV, peguei o início do filme. A cópia miserável, o som inaudível, a interpretação exagerada dos atores, tudo me fez detestar o filme, salvando
uma ou outra cena, além da trilha
musical, bem escolhida e inteligente.
Confesso que não suportei o filme
todo. Em homenagem ao Joaquim
Pedro, mudei de canal, mas, de repente, me deu vontade de pegar o livro de Mário de Andrade na estante.
Ali estava, como sempre esteve, o
momento de gênio de um autor muito badalado, mas que nunca fez parte
do meu olimpo particular. O texto
permanece o mesmo, acho até que se
engrandeceu com o tempo. "Macunaíma" me parece um dos poucos romances (ou rapsódias) da literatura
universal que soube envelhecer com
dignidade.
O mesmo não aconteceu com o filme, em que pese o grande talento e o
bom gosto aristocrático e cultural do
Joaquim Pedro. Em parte, a qualidade material do filme perdeu-se com o
desgaste do tempo. Os processos técnicos para revitalizar as obras-primas do passado nem sempre atingem
seu objetivo, melhoram a qualidade
da exibição, mas escancaram o conteúdo ultrapassado.
Já o romance, obscuro nas estantes
muitas vezes empoeiradas ou desdenhadas, conserva a força ou a debilidade dos autores. No caso de "Macunaíma", é uma rapsódia eternamente atual, pois pega o brasileiro no que
ele tem de mais profundo e intransferível, sua preguiça, sua esperteza inútil, seu sonho nunca alcançado.
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