São Paulo, sexta-feira, 19 de março de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Elites, mudança e moralismo político

CANDIDO MENDES


Continuamos a acreditar que só o reforço da intenção de mudar seja a pedra de toque para a conquista de um país para todos

NO QUADRO do desenvolvimento sustentável, como progride a cultura da mudança e em que termos, na consciência mobilizadora, ela pode, de fato, ser o fator decisivo para a sua aceleração?
Talvez o mais encoberto dos obstáculos, nesse avanço, seja o da real maturação das mentalidades para esse pôr-se à obra. Permanece uma perspectiva ingênua, do que possam o só voluntarismo e as boas intenções de uma dita elite empresarial do país.
Vamos dever a Oded Grajew, no topo das reservas cívicas da nação, mostrar-nos a distinção entre o ideal e o que, na prática, fica sempre aquém do apelo frontal a um Brasil melhor.
Continuamos, em nível dramático, a acreditar que só o reforço da intenção de mudar seja a pedra de toque para a conquista de um país para todos, na pressa e na generosidade que se exija do povo despertado.
No repertório dessa convocação das elites empresariais a uma ética cívica estaria, por exemplo, o compromisso de só apoiar eleitoralmente candidatos de ficha limpa, ou vinculados a reformas do sistema de trabalho, salários e aposentadorias, ou ao combate às desigualdades sociais e ao respeito ao meio ambiente.
No eixo da credibilidade dessa pregação, reponta a coerência do comportamento da empresa com sua ação pública, na valorização do comunitário diante do simplesmente social ou do oportunismo de ganhos.
Mas o ímpeto do bem fazer se confronta com as condições em que, objetivamente, corações e vontades atuam num processo e num contexto social dominado por contradições de estrutura responsáveis pela marginalidade da população brasileira ou concentradores das suas oportunidades de lucro, independentemente de sua verdadeira eficiência.
São etapas de uma conquista, em que a moralidade clama em vão e a "realpolitik" para a mudança decepciona a pureza cívica.
A resistência do sistema a vencer-se perdurava, invencível até, a explicar a prorrogação indefinida dos votos das comissões parlamentares contra a corrupção, a perda de toda a fiscalização entre os Poderes, o embotamento da ação de políticas ou o travame da votação da boa lei.
É a subcultura, ainda, do pré-desenvolvimento, que lastreia essa decepção continuada das ditas elites íntegras e se exprime pela reeleição continuada de deputados e senadores no mensalão ou na gula de verbas marcadas no Orçamento ou na permanência impertérrita das mordomias parlamentares.
A democracia vive, também, da ambiguidade de cada dia, em que a dita normalização do sistema passa sempre por um nível tolerado de corrupção. Tal como não há golpe de Estado a favor da pureza política, a "realpolitik" é indispensável à estabilidade dos regimes, mais que a conversão ao "bem comum" de suas elites.
Paradoxo, pois, ainda, desse desenvolvimento sustentado é o de inexistir, no plano da mobilização, a consciência do salto na mudança, que depende, todo, da ação de Estado no plano das estruturas e da condução do aparelho produtivo. Esse desempenho, de par com a destinação social de seus benefícios, ligados à desconcentração da renda e ao incremento tecnológico, antecipa a componente moral da mudança.
A barreira das estruturas estiola as boas intenções para que, de fato, o bem de todos seja colocado ao alcance de cada um. A dominação, típica do regime colonial, resultante do padrão apropriador de ganhos de exploração da marginalidade, não se derruba pela boa vontade geral, nem o Estado que venha a fazê-lo foge das prioridades únicas e primárias de um sistema funcional de produção.
A agenda implacável da mudança descarta o açodo moralista. O que se pede à consciência, sim, é a sustentabilidade crua do desenvolvimento para que, a seu tempo, e no seu embalo, emerja o esperado Brasil "mais justo, ético, seguro e próspero".


CANDIDO MENDES , 81, membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão de Justiça e Paz, é presidente do "senior Board" do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e secretário-geral da Academia da Latinidade.

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