São Paulo, domingo, 19 de maio de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Holocausto virtual

RIO DE JANEIRO - Levei um susto dos diabos. Folheava desprevenidamente uma revista estrangeira quando dei com uma foto que me gelou o sangue: cadáveres nu, amontoados uns nos outros. Não, não era em nenhum campo de extermínio na Alemanha nazista, mas na capital paulista, no ano da graça que atravessamos.
Pensei numa montagem, dessas que o computador costuma fazer com eficiência virtual. Olhei melhor e comecei a ver diferenças.
Não eram corpos esquálidos, ossos e carnes, tíbias à mostra. Pelo contrário: eram corpos saudáveis, cheios de enxúndia, alguns até obesos, mulheres coxudas, homens atléticos.
O que faziam ali, deitados no asfalto, formando a pirâmide humana para um forno crematório que não aparecia na foto? Onde estávamos? O que teria havido em terras abençoadas por Anchieta e administradas por dona Marta Suplicy?
Fui obrigado a ler a legenda. Nenhum holocausto, apenas uma foto para concorrer a algum prêmio de alguma bienal. Há gosto para tudo, na voz ativa e na voz passiva. O fotógrafo conseguiu a obra de arte pretendida sem pagar cachê a ninguém. Cecil B. de Mille pagava os tubos para conseguir reunir cem, duzentas pessoas para fazerem figuração de escravos para a corte de Cleópatra ou de legionários romanos para brigarem com Ben Hur.
O fotógrafo reuniu mais gente sem gastar um tostão. Por sua vez, os figurantes, que reclamariam direito de imagem se fossem fotografados comercialmente, nada cobraram para tirar a roupa e posar para uma foto que, bem ou mal, está sendo vendida pelas agências internacionais.
Faz tempo, uma filipina tirou uma foto nua em frente à ""Pietà", na basílica de São Pedro, em Roma. Acho que nada ganhou, a não ser uns dias de prisão. Deixo a sugestão sem nada cobrar: entupir a capela Sistina de pessoas nuas, umas em cima das outras. Tudo por amor à arte.



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