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São Paulo, segunda-feira, 19 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A SBPC, na hora da verdade

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE


O presidente da SBPC é meramente o executivo que atua de acordo com diretrizes estabelecidas pelo conselho

Aparentemente , a quase totalidade da comunidade acadêmica, da opinião pública e da parcela mais bem informada da sociedade brasileira reconhece que a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), de tão gloriosos passado, está em declínio. Também é praticamente unânime a convicção de que, embora não atribuível às dignificadas e competentes administrações passadas recentes, esse declínio é nefasto para o país e, em particular, uma perda irreparável para a comunidade acadêmica nacional.
Embora com ênfases diferentes, os programas de todos os candidatos a presidente da SBPC refletem a mesma preocupação e não diferem entre si de maneira significativa, senão pela forma de apresentação e por detalhes de somenos importância. Também os inúmeros outros textos dos candidatos repetem mais ou menos os mesmos chavões tradicionais. Este mesmo candidato aqui, se tivesse o dom da paciência, não teria conseguido redigir coisa muito diferente, confesso. E reconheço ainda minha enorme inveja por essa exuberância que não consigo imitar.
Uma eventual restauração da SBPC exigiria principalmente a mudança dos meios de atuação, e não somente dos objetivos formais. Será, portanto, necessária uma certa dose de ousadia. Será desejável, ainda, uma mudança de estilo. Tenho pessoalmente grande apreço pelas idéias do prof. Renato Janine Ribeiro e seria ele meu candidato, se estivéssemos ainda na época áurea da SBPC. Também reconheço o denodo e a abnegada dedicação do prof. Ennio Candotti, quando vice e, posteriormente, presidente da SBPC, principalmente por ocasião da consolidação de um sistema profícuo de comunicação dentro da comunidade acadêmica, como também com a sociedade em geral.
Todavia, se me candidato à Presidência da SBPC, é porque me considero mais bem aparelhado para a restauração que essa instituição merece. Acredito ainda que meus concorrentes estão igualmente convencidos, cada um, de suas melhores respectivas condições. Se assim não fosse, seria uma hipocrisia mantermo-nos candidatos. Essa situação, portanto, exige que se façam comparações de outra natureza, que não uma inofensiva comparação dos programas dos três candidatos. E, para facilitar essa tarefa, convém termos à mão um perfil do presidente desejável para este momento político nacional. Pois bem, quais seriam, então, as características que integrariam esse perfil?
A primeira qualidade que nos ocorre como essencial é o prestígio profissional do candidato entre seus pares. É intuitiva a percepção de que o presidente de uma associação reflete a qualidade da mesma. É preciso ser um advogado de sucesso, por exemplo, para dirigir a OAB e representá-la adequadamente nas várias instâncias da sociedade com que interagir. É natural que outros setores da sociedade transfiram à SBPC as impressões e os conceitos que tenham de seu presidente. Em conclusão, é desejável que o representante e dirigente de uma sociedade de cientistas seja um cientista reconhecido como tal pelos seus pares; e melhor ainda que seja internacionalmente confirmado.
Mas essa condição não é suficiente. É conveniente também que o candidato tenha uma certa experiência administrativa. É claro que uma boa familiaridade com a SBPC é um trunfo adicional. Porém também é verdade que muita familiaridade resulta em vício. Portanto é bom elaborar uma relação entre custo e benefício ao julgar essa característica.
O candidato deve ser versátil. A SBPC é um organismo que abriga uma infinidade de especialidades e uma grande variedade de aspirações; estudantes, professores cientistas e amadores dedicados.
Mas, antes de tudo, é desejável, neste momento de restauração, um espírito inovador, energético, inquieto, até mesmo um pouco ousado para seus dirigentes.
E, por último, seria desejável que o candidato fosse minimamente independente. O governo já tem instrumentos próprios de análise. Muita proximidade resulta em conivência, senão em subserviência. Também não é desejável uma aversão atávica ao poder público. Uma distância adequada, porém amigável, deverá ser o melhor para o sucesso de um projeto de reabilitação da SBPC e sua utilidade para o país. Causa-me desassossego, para dizer o menos, a "declaração de amor", de um dos candidatos, pelo secretário-executivo, homem-forte, do MCT.
Bem, esta é a minha receita. Haverá por certo outras. O leitor não deve, entretanto, esquecer que o presidente da SBPC é meramente o executivo que atua de acordo com normas e diretrizes estabelecidas pelo conselho. E que, portanto, é essencial que seus membros sejam escolhidos com muita cautela. Também é bom lembrar a importância da diretoria, que nesta eleição, pela primeira vez, organiza-se em chapa (ou deveria ser dito "panela"?). Seria altamente desejável, em nome da democracia e da pluralidade, que esses agregados se fragmentassem e não fossem votados em bloco, como também que se considerassem os candidatos independentes.


Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 71, físico, professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Editorial da Folha, é candidato à Presidência da SBPC.


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