São Paulo, quinta-feira, 19 de maio de 2005 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Um novo pacto abolicionista
ODED GRAJEW
No Brasil, por incrível que pareça, até hoje há variadas formas e práticas de trabalho escravo. O conceito de trabalho escravo adotado pela OIT é o seguinte: toda forma de trabalho escravo é trabalho degradante, mas o recíproco nem sempre é verdadeiro. O que diferencia um conceito do outro é a liberdade. Quando falamos de trabalho escravo, falamos de um crime que cerceia a liberdade dos trabalhadores. Essa falta de liberdade se dá por meio de quatro fatores: apreensão de documentos, presença de guardas armados e "gatos" de comportamento ameaçador, dívidas ilegalmente impostas ou em razão das características geográficas do local, que impedem a fuga. Entre 1995 e 2003 foram libertados 10.776 trabalhadores escravos, e nos anos 2003 e 2004, 7.169 trabalhadores ganharam a liberdade. Estima-se que ainda existam entre 25 mil e 40 mil escravos no território nacional. A partir de novembro de 2003 começou a ser publicada pelo governo brasileiro a "lista suja", contendo o nome de empresas que se utilizavam de trabalho escravo e que, a partir de então, estavam proibidas de receber recursos governamentais. Essa lista está disponível no site www.mte.gov.br/Noticias/download/ListaEscravo.pdf e contém atualmente 163 empresas. Um mapeamento minucioso da cadeia de produção dessas empresas foi providenciado pelo Instituto Ethos, mais a OIT e a ONG Repórter Brasil. Graças a esse rastreamento foi possível identificar o caminho dos produtos que são contaminados pelo trabalho escravo. As empresas e setores que são a ponta final dessas cadeias de produção foram contatadas e, ao tomarem conhecimento da pesquisa, dispuseram-se imediatamente a participar do pacto pela erradicação do trabalho escravo no Brasil. Participam dessa iniciativa empresas nacionais e multinacionais de áreas diversas, como o setor de supermercados, combustíveis, alimentos, têxtil, açúcar e álcool, siderúrgico e financeiro, entre outros. O novo pacto será lançado hoje, em Brasília, na Procuradoria Geral da República, e anunciado para novas adesões na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Por esse pacto, as empresas e entidades se comprometem a eliminar de sua lista de fornecedores e de sua cadeia de produção as empresas que estejam na "lista suja" do trabalho escravo. Os bancos se comprometem a não disponibilizar recursos para essas empresas. Os signatários do pacto se comprometem também a agir na cadeia produtiva, procurando regularizar e formalizar as relações de emprego, cumprir todas as obrigações trabalhistas e previdenciárias e empreender ações preventivas referentes à saúde e à segurança dos trabalhadores. As ações serão monitoradas e seus resultados serão tornados públicos. A experiência será sistematizada e divulgada de forma a promover a multiplicação de ações que possam contribuir para o fim de práticas escravagistas e, ao mesmo tempo, reduzir todas as formas de trabalho degradante no Brasil e em outros países. Anualmente haverá uma avaliação pública dos resultados da implementação das políticas e ações previstas no pacto. Em agosto de 2004, siderúrgicas do Pará e Maranhão, articuladas pelo Instituto Ethos, assinaram um compromisso de combate ao trabalho escravo em sua cadeia produtiva, especialmente na produção de carvão vegetal. Entre as medidas implementadas estão o monitoramento das carvoarias, a definição das metas para regularizar as relações de trabalho e a imposição de restrições comerciais a empresas que utilizam mão-de-obra escrava. Os resultados até agora alcançados demonstram que esse tipo de concertação resulta em melhorias consideráveis nas condições de trabalho ao longo de toda a cadeia produtiva e deixam vislumbrar o imenso resultado positivo que pode ser alcançado pelo grande pacto nacional. A partir de agora, as empresas que utilizarem trabalho escravo sabem que terão cortadas todas as linhas de financiamento e do escoamento de seus produtos. Isso significa, na prática, a total inviabilidade de qualquer empreendimento no Brasil que esteja utilizando o trabalho escravo. O novo pacto abolicionista permitirá que as empresas exerçam sua influência nuclear na economia estimulando cadeias e parcerias a promoverem a justiça social diretamente no processo produtivo, e não depois dele, como medida compensatória. Ao adotar a responsabilidade social na sua gestão, as empresas contribuem de forma concreta e impactante para um Brasil mais justo e para a promoção do desenvolvimento sustentável. Oded Grajew, 60, empresário, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, é presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Foi assessor especial do presidente da República (2003). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: José Erivalder Guimarães: A saúde no Estado de São Paulo Índice |
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