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O avanço dos países emergentes e o Brasil
GLAUCO ARBIX e MARIO SERGIO SALERNO
Um grupo seleto de países emergentes tende a mudar a qualidade de suas economias. Está o Brasil preparado para esse salto?
EM 2006, mais de 130 empresas
foram beneficiadas por incentivos fiscais concedidos pela Lei
do Bem, de 2005, segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
Apesar da insegurança que todo instrumento novo gera, sua utilização foi
expressiva. Se tomarmos o universo
das empresas brasileiras, o número
de usuários em um ano ainda é pequeno, mas, se relacionado à trajetória do
país, o resultado ganha relevo.
Com a Lei do Bem, as empresas podem realizar abatimentos adicionais
de 60% a 100% do total de gastos em
pesquisa e desenvolvimento (P&D). A
lei anterior (nº 8.661), que exigia
aprovação prévia dos planos de P&D
pelo MCT, gerou, em 13 anos, 196 projetos, com investimentos de R$ 5 bilhões. A Lei do Bem, apenas em 2006,
patrocinou quase o mesmo número
de empresas, uma renúncia fiscal de
R$ 229 milhões e investimentos de
R$ 1,44 bilhão.
É certo que ainda há muito a melhorar, mas é inegável que a lei funciona. É possível que a insegurança provocada pela novidade da lei e a expectativa disseminada em alguns meios
empresariais sobre eventual rigidez
de interpretação da Receita Federal
tenham inibido várias empresas. Porém, a lei derrubou o sistema anterior
de submissão prévia de projetos e deu
às empresas mais liberdade para definir estratégias e alocar investimentos. Ou seja, a aplicação automática da
lei, com fiscalização apenas a posteriori, simplificou processos e trouxe
conseqüências positivas inegáveis, diminuindo burocracia e custos.
A lei nasceu da política industrial
definida pelo governo em 2004. Foi
pensada para incentivar uma cultura
da inovação capaz de alterar hábitos,
repensar instituições e melhor aproveitar os instrumentos existentes para aumentar nossa competitividade.
Dois concorrentes diretos do Brasil, China e Índia, consideram inovação muito mais do que tecnologia. Para eles, inovação está ligada a processos, serviços, produtos, logística, marca e novos modelos de negócio.
Mais de 60% dos investimentos em
inovação na China e na Índia estão relacionados à utilização de conhecimento maduro e já disponível. Isso, e
não um eventual domínio de tecnologias críticas, explica, em grande parte,
seu acelerado crescimento.
O Ipea já detectou o salto qualitativo dado por muitas empresas brasileiras graças à inovação, o que nem
sempre foi percebido com clareza pelo governo e por entidades empresariais. Quantos analistas acostumados
a reduzir o Brasil à macroeconomia
compreenderam a ascensão das exportações? Quantos perceberam as
mudanças que ocorreram no interior
das empresas? Poucos, muito poucos.
Nos últimos anos, muitas empresas
brasileiras entraram em sintonia com
o novo cenário mundial.
Em 2007, as economias emergentes responderam por cerca de metade
do PIB mundial (em PPP). Desde que
China, Índia, Brasil e Rússia começaram a abrir suas economias, a força de
trabalho global dobrou. Em dez anos,
cerca de 1 bilhão de novos consumidores entrarão nos mercados, graças
ao crescimento dos emergentes.
A participação dos países em desenvolvimento nas exportações mundiais foi de mais de 40% no ano passado, quando era de 20% nos anos 70.
Esses países já respondem por mais
de metade da energia consumida no
planeta e seus bancos centrais são
guardiões de mais de 70% das reservas mundiais. O PIB dos emergentes
representa mais de 43% do PIB mundial, enquanto os PIBs dos EUA e da
Europa somados não chegam a 36%.
A economia dos emergentes contribuiu em 2007 com cerca de 70% para
o crescimento do PIB mundial; os países europeus e os EUA contribuíram
com menos de 20%.
Muito dessa mudança está relacionado ao desempenho da China, é fato.
Mas não há como negar que um grupo
seleto de países emergentes tende a
mudar a qualidade de suas economias
com fortes impactos sociais.
Está o Brasil preparado para tal salto? Empresas chinesas e indianas já
são líderes mundiais em vários setores da economia. Em algumas áreas o
Brasil também avançou, mas, no conjunto, as nossas empresas ainda estão
muito atrás dos principais concorrentes. Seria mais do que oportuno se
elas contassem com mais instrumentos de política industrial e tecnológica
para se internacionalizarem e inovar
com mais força e rapidez. A Política
de Desenvolvimento Produtivo, recém-lançada pelo governo federal,
apenas toca no tema, mas é preciso
avançar muito mais.
A integração crescente dos países
emergentes à economia global desenha cenários que apontam para o
maior reposicionamento das nações
desde a Revolução Industrial. Resta
saber se eles conseguirão melhorar
efetivamente a vida de seus povos.
GLAUCO ARBIX, 58, doutor em sociologia, é professor do
Departamento de Sociologia da USP e coordenador do Observatório da Inovação do Instituto de Estudos Avançados
da USP. Foi presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2003 a 2006.
MARIO SERGIO SALERNO, 51, doutor e livre-docente em
engenharia de produção, é professor do Departamento de
Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP e
coordenador do Observatório da Inovação do IEA-USP.
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