São Paulo, terça-feira, 19 de junho de 2007

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MARCOS NOBRE

Modernidade

DESDE MUITO antes da Abolição da Escravatura, o Brasil quer ser moderno. Pois bem, chegamos lá. Depois de 1994, pode-se dizer que a inflação está sob controle e que a política macroeconômica funciona "segundo os melhores parâmetros internacionais". Com o segundo mandato de Lula, o sistema político se organizou em dois pequenos pólos (PT e PSDB/DEM) e numa imensa massa política indistinta disposta, em sua grande maioria, a se aliar ao governo. Qualquer governo.
Para completar, os dois pólos não têm grandes divergências quanto às decisões políticas e econômicas mais fundamentais. As diferenças são, de fato, marginais. Noves fora a corrupção e o banditismo, isso é o que se chama hoje de um sistema político moderno e de uma economia devidamente integrada ao mercado mundial.
Só que a consolidação do sistema político e da economia nesses termos não era o que se esperava da modernidade. Não só porque, para começar, faltam padrões de distribuição de renda decentes. Também porque falta muito mais política e democracia.
A política oficial tomou o lugar das páginas policiais. O Legislativo está acuado por dois lados: pela promessa de cargos e pela Polícia Federal. A oposição só consegue bater ponto, mais nada. E o Judiciário vive atolado entre as pilhas de processos que nunca diminuem de tamanho e as pressões políticas dos outros dois Poderes.
O resultado é que a discussão política atual se divide entre quem se adapta aos limites estreitos dessa política institucional e quem "rejeita tudo o que está aí". Nos dois casos, o que se tem é uma negação da própria política, porque se confunde política e democracia com o sistema político. É uma alternativa conservadora.
Para qualquer dos lados, acaba reforçando os clichês pobres do próprio sistema político. Mais grave, colabora para que a lógica limitada da política oficial se espraie para além do debate institucional e atinja os domínios da cultura. Não só a nova geração de políticos brasileiros é especialmente talentosa em falar muito e não dizer coisa nenhuma (sendo que os mais velhos não ficam atrás). Também a produção cultural e o debate político em geral simplesmente desistiram de falar de coisas relevantes. Ficam entre a futilidade e a negação abstrata da política.
Recusar os termos limitados em que se dá o debate na lógica do sistema político atual não tem nada de incompatível com intervir nesse sistema, explorando as margens de ação para alargá-las o quanto possível. Porque, na modernidade, política e democracia são muito mais do que um sistema político.


MARCOS NOBRE passa a escrever às terças-feiras nesta coluna.


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