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MARCOS NOBRE
Modernidade
DESDE MUITO antes da Abolição da Escravatura, o Brasil quer ser moderno. Pois
bem, chegamos lá. Depois de 1994,
pode-se dizer que a inflação está
sob controle e que a política macroeconômica funciona "segundo
os melhores parâmetros internacionais". Com o segundo mandato
de Lula, o sistema político se organizou em dois pequenos pólos (PT
e PSDB/DEM) e numa imensa
massa política indistinta disposta,
em sua grande maioria, a se aliar ao
governo. Qualquer governo.
Para completar, os dois pólos
não têm grandes divergências
quanto às decisões políticas e econômicas mais fundamentais. As diferenças são, de fato, marginais.
Noves fora a corrupção e o banditismo, isso é o que se chama hoje de
um sistema político moderno e de
uma economia devidamente integrada ao mercado mundial.
Só que a consolidação do sistema
político e da economia nesses termos não era o que se esperava da
modernidade. Não só porque, para
começar, faltam padrões de distribuição de renda decentes. Também porque falta muito mais política e democracia.
A política oficial tomou o lugar
das páginas policiais. O Legislativo
está acuado por dois lados: pela
promessa de cargos e pela Polícia
Federal. A oposição só consegue
bater ponto, mais nada. E o Judiciário vive atolado entre as pilhas
de processos que nunca diminuem
de tamanho e as pressões políticas
dos outros dois Poderes.
O resultado é que a discussão política atual se divide entre quem se
adapta aos limites estreitos dessa
política institucional e quem "rejeita tudo o que está aí". Nos dois
casos, o que se tem é uma negação
da própria política, porque se confunde política e democracia com o
sistema político.
É uma alternativa conservadora.
Para qualquer dos lados, acaba reforçando os clichês pobres do próprio sistema político. Mais grave,
colabora para que a lógica limitada
da política oficial se espraie para
além do debate institucional e atinja os domínios da cultura. Não só a
nova geração de políticos brasileiros é especialmente talentosa em
falar muito e não dizer coisa nenhuma (sendo que os mais velhos
não ficam atrás). Também a produção cultural e o debate político em
geral simplesmente desistiram de
falar de coisas relevantes. Ficam
entre a futilidade e a negação abstrata da política.
Recusar os termos limitados em
que se dá o debate na lógica do sistema político atual não tem nada
de incompatível com intervir nesse
sistema, explorando as margens de
ação para alargá-las o quanto possível. Porque, na modernidade, política e democracia são muito mais
do que um sistema político.
MARCOS NOBRE passa a escrever às terças-feiras
nesta coluna.
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