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O sistema de metas de inflação é hoje o mais adequado à economia brasileira?
SIM
A estabilidade como objetivo
JOSÉ JÚLIO SENNA
As metas de inflação são um tema
destacado na literatura corrente. A
análise teórica insere-se numa velha
discussão sobre a forma mais apropriada de conduzir a política monetária:
"regras versus poder discricionário".
De um lado, estão os economistas monetaristas; de outro, os chamados ativistas. Para os primeiros, o conhecimento acerca do estado da economia e
da maneira pela qual a política monetária afeta a inflação é sempre imperfeito.
Assim, o melhor seria evitar a manipulação dos instrumentos, mantendo
constante a variação do estoque de
moeda. Qualquer coisa diferente disso
tenderia a exacerbar os ciclos da economia. Os ativistas privilegiam as tentativas de estabilização mediante o uso frequente dos instrumentos disponíveis.
De certa forma, as metas de inflação
são uma opção intermediária. Elas
abrem espaço para o sacrifício das metas de crescimento de preços, no curto
prazo, sempre que o desemprego se
mostre excessivo (como resultado de
um choque, por exemplo). Nesse caso,
procura-se calibrar a política monetária para amenizar o quadro recessivo,
sem prejuízo do compromisso com a
estabilidade de preços num prazo mais
longo. Na prática, isso significa adiar
(por prazo definido) o compromisso
com determinada meta de inflação.
Busca-se combinar a disciplina e a credibilidade do ideal monetarista com algum espaço para a política "ativista".
Há ampla evidência de que o sistema
de preços funciona melhor com algum
tipo de âncora. A expansão monetária e
a taxa cambial têm cumprido esse papel
em vários países. O problema é que,
universalmente, é difícil manter o ritmo de expansão da moeda dentro de
certos limites, e isso tem levado ao gradual abandono dessa política. Quanto à
âncora cambial, é notório que só funciona durante pouco tempo. O "inflation targeting" surgiu como opção a
esses dois modelos tradicionais.
A adoção do novo regime em vários
países nos anos 90 reflete o crescente
consenso de que a estabilidade de preços deve ser o objetivo básico da política monetária. Sua grande vantagem é
direcionar o foco dos dirigentes dos
bancos centrais para aquilo que o controle da moeda pode fazer de melhor.
Naturalmente, países distintos adotaram-no por motivos diferentes. Em alguns, como Inglaterra e Suécia, a motivação básica esteve ligada ao abandono
forçado da âncora cambial. Nesses casos, a adoção do câmbio flexível exigia
algum mecanismo que sinalizasse o
compromisso com a preservação de
baixas taxas de inflação. A discussão no
Brasil, por certo, é da mesma natureza.
Em todos os países onde foi adotado,
esse regime surgiu para consolidar ganhos previamente obtidos no combate
à inflação. A estratégia não se mostra
adequada contra processos agudos ou
casos crônicos de inflação. No fundo,
ela não pode ser vista como um substituto para o emprego dos instrumentos
antiinflacionários clássicos; justamente
por isso, os custos de uma eventual
"desinflação" não desaparecem com
o uso de "inflation targeting".
De qualquer forma, é impossível negar que a experiência mundial tem sido
favorável: não há país que tenha abandonado o regime ou se mostre insatisfeito. É certo, porém, que se trata de
uma experiência recente, ficando sempre a dúvida acerca de como funcionaria caso a economia mundial experimentasse um crescimento econômico
mais acelerado do que o dos anos 90.
Entre nós, o quadro vigente parece
apropriado à implantação do regime. A
situação de desemprego é lamentável (e
precisa ser corrigida), mas isso ajuda a
conter as pressões inflacionárias, inclusive as decorrentes da mudança cambial. O esforço maior contra a inflação
já aconteceu. A transparência que caracteriza o "inflation targeting" pode
ser muito útil para ajudar a consolidar
a mentalidade da estabilidade de preços. Os representantes do meio político
que não estiverem de acordo terão de
explicitar suas justificativas. O BC definirá sua política deixando transparecer
a função de reação aos eventos econômicos mais importantes. No limite,
quando o regime estiver consolidado (e
se der certo), as ações das autoridades
monetárias não trarão surpresas.
Ao longo do tempo, é importante que
as metas em si sejam estabelecidas pelo
governo como um todo, e não ditadas
apenas pelo Ministério da Fazenda. Os
eleitos pelo povo devem definir os
grandes objetivos (e se comprometer
com eles), cabendo ao BC apenas cumprir o que for traçado. Enganam-se os
que fazem a crítica da falta de independência. A independência necessária é a
referente ao uso dos instrumentos monetários -e essa não tem faltado.
Vale ressaltar que, embora o regime
pareça adequado às circunstâncias
atuais, tem suas limitações, como qualquer outro. É uma estratégia segundo a
qual as decisões são tomadas "olhando
para a frente", ou seja, tentando prever os impactos sobre a inflação futura
decorrentes do comportamento de um
largo número de variáveis. E isso envolve o uso de modelos econométricos
sofisticados, de difícil definição em
economias instáveis como a nossa.
Além disso, o tão discutido déficit público precisa ter um comportamento
compatível com as metas de inflação.
Por isso, recomenda-se o envolvimento do governo como um todo no estabelecimento dos compromissos.
José Júlio Senna, 53, doutor em economia pela Universidade Johns Hopkins (EUA), é sócio-diretor da MCM
Consultores Associados. Foi diretor do Banco Central.
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