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ANTONIO DELFIM NETTO
Democracia e capitalismo
Quase todas as utopias (algumas muito pouco democráticas)
fazem restrições à acumulação de riquezas. De Thomas More a Karl Marx,
elas enxergaram na propriedade privada a origem da desigualdade. O que
hoje parece claro é que -de acordo
com a crítica tão antiga quanto a
idéia- a eliminação da propriedade
privada leva à ausência do mercado e
à completa sujeição do indivíduo ao
Estado. A experiência soviética e de
todos os seus satélites é exemplar a esse respeito.
A questão é: como construir instituições que produzam relativa igualdade
sem comprometer a eficiência produtiva e a liberdade dos cidadãos? A história mostra que os regimes de economia centralizada tendem a sacrificar a
eficiência produtiva e a liberdade em
favor da igualdade econômica. Os regimes de economia descentralizada
tendem a sacrificar a igualdade econômica em favor da eficiência e da liberdade.
A relação entre a desigualdade econômica e o crescimento é complexa.
Temos três variáveis (desigualdade,
crescimento e liberdade política) determinadas simultaneamente e que
devem manter-se em relativo equilíbrio.
O problema da igualdade talvez seja
o único ponto de sustância que hoje
separa a "esquerda" da "direita", se é
que essa classificação ainda faz algum
sentido, pois, dependendo do ponto
de vista, é claro que os homens são
iguais e desiguais ao mesmo tempo. O
processo democrático de resolver os
conflitos (as urnas), combinado com
o processo econômico que busca certa
racionalidade (o mercado), parece
constituir um mecanismo adaptativo
eficiente para coordenar as três variáveis. É por isso que essa combinação
tem condições de sobreviver: pode ir
compondo uma sociedade que vai
acomodando, pragmaticamente, três
valores não inteiramente compatíveis:
liberdade, igualdade e eficácia produtiva.
O estudo da história mostra uma intrigante correlação entre a liberdade
política, a liberdade econômica e o desenvolvimento material. A relação
não parece ser de simples causalidade,
mas de possibilidade. Cada vez que os
indivíduos, nos seus múltiplos papéis
(de consumidor, de trabalhador, de
inventor, de empresário), viveram
num mundo em que a ordem política,
religiosa ou militar não tinham valor
exclusivo e na qual a sociedade civil
não era submetida à completa tutela
de um Estado autoritário, eles tenderam a encontrar formas organizacionais que privilegiavam a busca da eficácia produtiva e a pesquisa de inovações tecnológicas que caracterizam o
capitalismo.
Uma coisa parece certa: o sistema
capitalista deixa de ser funcional
quando não há um relativo equilíbrio
entre a liberdade, a igualdade e a eficiência produtiva. É isso que coloca
em dúvida a sobrevivência da política
neoliberal, porque, para ela, a igualdade é de menor importância. O problema é que a busca da igualdade é uma
constante na história do homem...
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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