São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 2000


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ANTONIO DELFIM NETTO

Democracia e capitalismo

Quase todas as utopias (algumas muito pouco democráticas) fazem restrições à acumulação de riquezas. De Thomas More a Karl Marx, elas enxergaram na propriedade privada a origem da desigualdade. O que hoje parece claro é que -de acordo com a crítica tão antiga quanto a idéia- a eliminação da propriedade privada leva à ausência do mercado e à completa sujeição do indivíduo ao Estado. A experiência soviética e de todos os seus satélites é exemplar a esse respeito.
A questão é: como construir instituições que produzam relativa igualdade sem comprometer a eficiência produtiva e a liberdade dos cidadãos? A história mostra que os regimes de economia centralizada tendem a sacrificar a eficiência produtiva e a liberdade em favor da igualdade econômica. Os regimes de economia descentralizada tendem a sacrificar a igualdade econômica em favor da eficiência e da liberdade.
A relação entre a desigualdade econômica e o crescimento é complexa. Temos três variáveis (desigualdade, crescimento e liberdade política) determinadas simultaneamente e que devem manter-se em relativo equilíbrio.
O problema da igualdade talvez seja o único ponto de sustância que hoje separa a "esquerda" da "direita", se é que essa classificação ainda faz algum sentido, pois, dependendo do ponto de vista, é claro que os homens são iguais e desiguais ao mesmo tempo. O processo democrático de resolver os conflitos (as urnas), combinado com o processo econômico que busca certa racionalidade (o mercado), parece constituir um mecanismo adaptativo eficiente para coordenar as três variáveis. É por isso que essa combinação tem condições de sobreviver: pode ir compondo uma sociedade que vai acomodando, pragmaticamente, três valores não inteiramente compatíveis: liberdade, igualdade e eficácia produtiva.
O estudo da história mostra uma intrigante correlação entre a liberdade política, a liberdade econômica e o desenvolvimento material. A relação não parece ser de simples causalidade, mas de possibilidade. Cada vez que os indivíduos, nos seus múltiplos papéis (de consumidor, de trabalhador, de inventor, de empresário), viveram num mundo em que a ordem política, religiosa ou militar não tinham valor exclusivo e na qual a sociedade civil não era submetida à completa tutela de um Estado autoritário, eles tenderam a encontrar formas organizacionais que privilegiavam a busca da eficácia produtiva e a pesquisa de inovações tecnológicas que caracterizam o capitalismo.
Uma coisa parece certa: o sistema capitalista deixa de ser funcional quando não há um relativo equilíbrio entre a liberdade, a igualdade e a eficiência produtiva. É isso que coloca em dúvida a sobrevivência da política neoliberal, porque, para ela, a igualdade é de menor importância. O problema é que a busca da igualdade é uma constante na história do homem...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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