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ROGÉRIO GENTILE
Cem anos de gratidão
Delúbio Soares de Castro, o tesoureiro do PT, é um sujeito curioso. Fã de Gabriel García Márquez e
de charutos caros, costuma contar
com orgulho que ficou 20 anos sem
tomar Coca-Cola em protesto contra
o imperialismo ianque.
Amadurecido na militância petista e
amigo íntimo de Luiz Inácio e Zé Dirceu, Delúbio tem hoje uma outra obsessão na vida: coletar donativos de
empresários abnegados, dispostos a
auxiliar o Partido dos Trabalhadores e
o companheiro-mor a mudar o país.
Pouco importa se, por uma dessas
coincidências, o benemérito detenha
contratos oficiais ou esteja enamorado de alguma concorrência pública.
O fundamental é que, para mudar o
país, o partido precisa de uma nova
sede na cidade de São Paulo, de preferência na região dos Jardins. A atual,
no centro, ficou muito pequena depois que o PT desembarcou no Palácio do Planalto e engordou, amigado
de tanta gente singular.
No seu itinerário de mármore, Delúbio Soares não pretende pedir muito,
considerando o que o PT se propõe a
fazer pelo futuro da nação. Algo entre
R$ 5.000 e R$ 500 mil (o primeiro valor é suficiente para a concessão de
cem bolsas-família, nova roupagem
do programa Fome Zero, aquele da
campanha presidencial de Lula).
Em troca, pela compreensão com o
partido e pela disposição em ajudar o
Brasil, o empresário solícito receberá
do tesoureiro um kit oficial do PT, o
chamado "kit gratidão" - afinal,
amizade é tudo na vida.
Mas fica no ar a pergunta: o que diria
anteontem a República da Companheirada se essa sacolinha fosse conduzida, digamos, pelo funesto PC Farias? Ou, num plano menos distante,
pelo finado Sérgio Motta em nome da
fantasia tucana dos 20 anos de poder?
Bobagem. Delúbio Soares é um bom
homem, filho de pais analfabetos e vítima de discriminação social em sua
Buriti Alegre, no interior de Goiás, onde, nos anos 60, certos lugares do cinema da cidade eram reservados aos filhos da elite. Seu passado realmente o
isenta de qualquer tipo de suspeita,
não é mesmo, Luiz Inácio?
O problema no Partido dos Trabalhadores atualmente é que ninguém
fica mais vermelho. Ninguém tem medo de fazer papel ridículo.
O presidente da República manda
comprar um Airbus de US$ 56,7 milhões, embora faltem recursos para a
manutenção de muitos programas sociais prioritários, como o Brasil Alfabetizado. Uma piada.
O filho e um velho amigo do chefe da
Casa Civil conseguem liberar emendas parlamentares para projetos que
lhes interessam, sendo que deputado
nenhum apresentou, de fato, emenda
para tais fins. Um detalhe.
Sem contar as inúmeras contradições entre o discurso pré-Planalto e o
mundo real dos gabinetes refrigerados. Antonio Palocci, quem diria, já
empurrou carrinho de supermercado
pela praça dos Três Poderes para mostrar ao Brasil que o salário mínimo
não dava para nada.
Como escreveu Dostoiévski em "O
Eterno Marido", "a pessoa bebe a própria tristeza e como que se embriaga
com ela". O PT bebeu o próprio poder
e se embriagou com ele.
Rogério Gentile é editor-adjunto de Brasil.
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