São Paulo, sábado, 19 de julho de 2008

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GUSTAVO FRANCO

Medo e ganância

DIZ-SE QUE ESSES dois sentimentos se alternam no comando das ações nos mercados financeiros: o primeiro predomina nas crises, o segundo nos momentos de euforia.
Esta explicação psicossocial para a aparente irracionalidade dos mercados financeiros serve, no fundo, para apoiar a tese de que esses mercados não são capazes de exibir sentimentos bons, e apenas se prestam a canalizar o que há de ruim nas pessoas.
Não vamos aqui discutir esta instigante tese, cujas ramificações vão muito longe para um espaço tão curto.
Em vez disso, vamos propugnar a extensão desta tese para o mundo da política, e também para os economistas que fornecem material encordoado para os políticos montarem seus raciocínios. Ou seja, vamos aceitar, ao menos como hipótese de trabalho, que também os políticos são feitos de medo e ganância, sem lugar para iniciativas desinteressadas.
Pouco mais de um ano atrás, quando se discutia a meta de inflação para 2008, prevalecia uma espécie de triunfalismo político, de que resultava a ganância, que se expressava através da idéia segundo a qual "um pouquinho mais" de inflação não faria mal nenhum, ao contrário, tornaria a autoridade monetária menos rígida e deixaria algum espaço de gingado para a economia.
Os políticos perderam a parada na decisão sobre a meta de inflação, mas ganharam em manter o gasto público crescendo em ritmo alucinante, para não dizer insustentável.
O resultado, um ano depois, é uma economia superaquecida cheia de fumaça de inflação. Desta vez, durante a escolha da meta para 2009, a ganância política desapareceu por completo, substituída pelo medo, e a razão para isso é exatamente o fato de que obtivemos, através da política fiscal, "um pouquinho mais" de inflação, como era o desejo de alguns políticos e "altas fontes palacianas".
Todavia, diferentemente do que pensavam os defensores do "pouquinho mais", as pessoas detestaram o aumento da inflação. Detestaram, mesmo considerando que era, de fato, bem pouquinho. E detestaram tanto que o presidente teve que prestigiar o Banco Central, em detrimento de seus assessores carbonários, o que deve ter provocado uma ciumeira deliciosa.
O presidente sabe ler o pensamento das maiorias mudas, e viu que a inflação é um trauma, e que pode colocar tudo a perder. Viu também que, pela cotação de hoje, cada 2% adicionais de inflação valem, em Unidades de Popularidade Política, algo próximo de um PAC.
A inflação destrói capital político mais rápido do que qualquer outra encrenca vinda da economia.

gh.franco@uol.com.br


GUSTAVO FRANCO escreve aos sábados nesta coluna.


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