São Paulo, segunda-feira, 19 de agosto de 2002

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BORIS FAUSTO

Democracia e consenso

Não é segredo para ninguém que, nos últimos meses, o Brasil vem atravessando uma grave crise. Em conjunturas desse gênero, cujos riscos são evidentes, aparecem ao mesmo tempo oportunidades que não costumam surgir em situações normais.
O presidente Fernando Henrique soube perceber esse fato. A partir daí, ele tem desenvolvido uma atuação muito significativa no sentido de preservar e de reforçar as instituições democráticas, uma das marcas aliás de seu governo. A tarefa não é simples, na medida em que passa pela necessidade de demarcar limites entre um presidente que tem um candidato de seu partido à sucessão presidencial e um estadista que deve falar e agir em nome do interesse nacional.
Ao longo de mais de um século de regime republicano, só agora a plena consolidação da democracia tem possibilidades de realizar-se. Nunca é demais repetir que, para tanto, é necessária a formação de um consenso básico entre as principais correntes políticas como base fundamental que não elimina, mas, pelo contrário, dá solidez ao confronto de opiniões divergentes.
De fato, a história da República tem sido marcada pela vigência inicial de um regime oligárquico e pelos longos regimes autoritários -sob a chefia de Getúlio Vargas e, depois, as dos generais-presidentes-, assim como pelas incertezas das fases democráticas
A forma pela qual se deram as sucessões presidenciais é reveladora da míngua de convicções democráticas e do personalismo na história de nosso país. São muitos os exemplos. Jânio Quadros tomou posse em Brasília não sem antes lançar raios e trovões sobre a cabeça do presidente Juscelino, acusando-o de corrupto e prometendo fazer uma devassa geral em seu governo. Outra coisa não fez Collor em relação ao presidente Sarney, a cuja posse o general Figueiredo nem sequer compareceu. Essa atitude teve um antecedente histórico -o do também general Floriano Peixoto. Este, nos idos de 1894, segundo consta, ficou em casa, cuidando das rosas de seu jardim e recusando-se a dar posse a Prudente de Moraes, contrariado pelo triunfo da "república dos fazendeiros".
É nesse contexto que ganha maior relevo a iniciativa do presidente Fernando Henrique, acertando um encontro com os presidenciáveis, entre os quais há três candidatos da oposição. O objetivo principal, como se sabe, é o de discutir com eles as questões centrais do país e, em particular, os recentes acordos internacionais destinados a enfrentar a crise.
As dúvidas acerca do resultado imediato da reunião são compreensíveis, mas o ponto mais importante não é esse. Qualquer que seja o resultado imediato, uma constatação maior se sobrepõe: a de que a iniciativa é um gesto simbólico muito expressivo, demonstrando a compreensão por parte do presidente da República de seu papel de estadista, acima das contingências da disputa política. Disputa que, ao mesmo tempo, não lhe é indiferente. Será que esse padrão terá sequência no futuro? Torçamos para que sim.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.

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