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CARLOS HEITOR CONY
O mar e o peixe
RIO DE JANEIRO - Na crônica de ontem, comentei que um político escolado, em momentos de crise, não pensa,
não fala nem ouve. Pode parecer exagero, mas é assim mesmo. Lembro o
caso de Benedito Valadares, que era
considerado uma calamidade intelectual, mas foi um político de sucesso, sempre por cima de qualquer furacão da vida pública nacional.
Numa crise das brabas, que foram
muitas no seu tempo, um deputado
perguntou a ele, que era então presidente do maior partido da época, o
que dizia da situação. Benedito respondeu que não dizia nada. E acrescentou: "Nem ouço!".
Outro que se tornou famoso pela
habilidade em enfrentar crises foi José Maria Alkimin, que cultivava uma
surdez estratégica. Só ouvia o que era
neutro, inócuo. Quando o diálogo ficava mais sério, ele botava a mão no
ouvido, fazendo uma concha que
constrangia quem falava com ele,
obrigando o interlocutor a falar mais
alto. Fazendo-se de surdo, perguntava interessado: "O quê? Como?
Quem? Por quê?".
Evidente que o sujeito mudava de
tema. A política exige o ciciar nas
confidências, o murmúrio dos comentários, das revelações e suspeitas.
Falando alto, ninguém faz política,
faz discurso para a platéia ou para a
imprensa.
Nos tempos em que era editor de
um jornal aqui no Rio, numa crise
antes da queda do presidente João
Goulart, recebemos na redação a visita de um senador importante, que
estava no bojo da confusão. Numa
sala especial, ele conversou com os
editorialistas, pegou um papel e fez
um gráfico da situação arrolando generais contra ou a favor do governo.
Quando terminou, rasgou o papel e
jogou os pedaços numa cesta.
Levamos o senador até a portaria,
nos despedimos cordialmente e voltamos a fechar a edição do dia seguinte. Dois minutos depois, Sua Excelência estava de volta. Entrou na sala especial, pegou a cesta e catou os pedacinhos do papel que rasgara. Fez uma
bolinha com eles e botou-a no bolso.
Como ficamos admirados, ele se explicou com poucas palavras:
- O mar não está para peixe!
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