São Paulo, terça-feira, 19 de setembro de 2006

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Desmandos sem fim

Compra de dossiê contra tucanos requer apuração rápida e isenta; de novo, petistas estão envolvidos em ação gravíssima

DEPOIS DO episódio Waldomiro Diniz, do escândalo do mensalão, dos dólares no baixo-ventre e da devassa na vida privada de um caseiro, é espantoso que petistas estejam envolvidos em mais um desmando gravíssimo. As primeiras investigações sobre uma tentativa primitiva de comprar informações de um empresário ligado à chamada máfia dos sanguessugas envolvem o Partido dos Trabalhadores e um assessor direto do presidente da República.
A impressão é que a seqüência de escândalos que varreu as cúpulas do governo federal e do PT em pouco mais de um ano não foi capaz de mudar comportamentos. Nem cogitações maquiavélicas acerca dos riscos evidentes de manobras escusas às vésperas de uma eleição em que Luiz Inácio Lula da Silva tem grandes chances de ser reconduzido ao Planalto parecem prevalecer.
Duas pessoas -um militante do PT de Mato Grosso e um advogado contratado pelo comitê de Lula- foram presas pela Polícia Federal na madrugada de sexta-feira, em São Paulo, com R$ 1,7 milhão em dinheiro. O montante seria trocado por um dossiê supostamente envolvendo os candidatos do PSDB ao governo paulista, José Serra, e ao Planalto, Geraldo Alckmin, no esquema de venda de ambulâncias superfaturadas.
O advogado detido afirma ter sido contratado pela Executiva Nacional do PT para negociar a aquisição do material; disse que no pagamento também estaria contida uma entrevista concedida dias antes a uma revista pelo pivô do escândalo dos sanguessugas, o empresário Luiz Antonio Vedoin -que também foi preso na capital mato-grossense.
O mais grave no depoimento do advogado é que ele aponta, como o suposto interlocutor no PT da compra do dossiê, para Freud Godoy, até ontem assessor especial da Presidência e responsável pela segurança pessoal de Lula. Godoy admite ter tido contatos com o denunciante, mas nega ser o autor da compra dos papéis. A direção do partido também se desvincula da ação torpe.
Evidentemente, não se pode tomar como fato a versão apresentada por uma pessoa diretamente envolvida na operação clandestina. O depoimento do advogado, no entanto, tem pontos que coincidem com outras evidências -e até agora não surgiu nenhuma hipótese alternativa acerca da motivação que levou a dupla a negociar com o empresário das ambulâncias. É por isso que esse episódio, que mistura gangsterismo com disputa eleitoral, precisa de uma investigação exemplar, rápida e isenta.
A velocidade com que os escândalos se repetem na política é razão direta da impunidade. O Congresso absolveu os mensaleiros; o PT se esquivou da depuração interna e abençoou os rebentos do valerioduto; Lula fechou-se na posição de quem ignora o que se passa no gabinete ao lado. Vista sob esse ângulo, a desfaçatez dos que ainda ousam carregar malas de dinheiro sujo para comprar delações é só rotina -uma rotina que, se não for extirpada pelas instituições republicanas, vai lançar à vala comum a própria democracia.


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