São Paulo, terça-feira, 19 de setembro de 2006

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SERGIO COSTA

Nem Freud explica

RIO DE JANEIRO - Está faltando mostrar a imagem das notas de dólares e reais -cerca de R$ 1,75 milhão no total- apreendidas pela PF e que seriam usadas na compra do dossiê para ligar tucanos e sanguessugas. Além de efeito político, fotos de dinheirama provocam um dano colateral nos trabalhadores sem partido. Só assim eles conseguem ver tanto dinheiro vivo junto.
Para a grande maioria dos assalariados, dinheiro é uma ficção, um objeto de operações virtuais. Começa no contracheque ou holerite, aquele papelzinho que todos recebem na véspera do pagamento, no qual o suado dinheirinho mensal começa a sumir ao lado de rubricas implacáveis: IR, INSS, assistência médica, contribuição sindical etc.
Na conta bancária, no dia seguinte, o valor do salário surge bem menor do que o numerário bruto a ele atribuído pelo documento. Imediatamente novas baixas têm curso, antes mesmo que se possa juntar algumas notas sobre a mesa para admirá-las como se estivessem numa apreensão federal.
Cheques, débitos automáticos ou documentos de transferência eletrônica se encarregam de ir raspando o saldo: aluguel ou prestação da casa, condomínio, luz, gás, telefone, celular, colégio, curso de inglês, cartão de crédito, carnê do carro, uma festa. Dinheiro mesmo, só o da empregada, do porteiro que lava o carrinho e algum de bolso para pequenas despesas. Se sobrar um qualquer depois desta sangria mensal, vai para outra abstração chamada DI, poupança ou papel que renda muito mais ao banco do que ao cliente dito especial.
Por isso, a cada apreensão da PF de "caminhões de dinheiro" para compra de votos, dossiês, caixa dois ou transporte em cuecas, dá para o trabalhador ficar, além de indignado, meio complexado quando vê na carteira, se tanto, solitária nota de R$ 50. Freud explica?


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