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Invasão e inclusão
JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI
Os problemas na área de ensino superior estavam encobertos e intocados. Diagnosticados, podem ser resolvidos com baixo custo
SOU TOTALMENTE contrário a
esse modismo agressivo, entrópico e tolo de invasão de universidades. Mas a questão de mérito levantada pelos manifestantes que ocuparam as arcadas há quase um mês
por algumas horas é real, grave, intocada e não deve ser menosprezada.
A partir do quinto ano do ensino
fundamental, os alunos das escolas
públicas (nitidamente os mais pobres) vão se evadindo celeremente, a
ponto de se tornarem invisíveis no
ensino superior.
Dos 400 mil jovens que terminam o
ensino médio público em São Paulo,
apenas 4.000 (1%) conseguem entrar
nas três universidades públicas estaduais. A inadimplência nas universidades privadas chega a 30%, e a evasão, ao absurdo de 25% ao ano. Esse é
o retrato acabado da exclusão.
A falta de uma política educacional
construída de acordo com os interesses da nação faz a tragédia ir além.
Dos 6 milhões de crianças que entram no primeiro ano do ensino primário, apenas 600 mil se formam nas
universidades, nas quais temos somente 11% de jovens entre 18 e 25
anos -a Coréia tem 60%, a Espanha,
50%, e a Argentina, 35%. Sem um mínimo de 35% não há desenvolvimento. Vivemos em plena sociedade do
conhecimento e desperdiçamos 90%
da maior riqueza do país!
As três universidades públicas de
São Paulo, nos últimos anos, vêm
combatendo com ações afirmativas a
iniqüidade do vestibular, que exclui
os alunos mais carentes provenientes
do ensino médio público.
A Unicamp (Universidade Estadual
de Campinas) mostrou que a bonificação oferecida aos alunos do ensino
público aumentou o número deles
nos diferentes cursos, e aqueles que
entraram, acompanhados durante
três anos, tiveram, em 31 dos 55 cursos, uma performance melhor do que
a dos demais.
O número absoluto é irrisório, mas
a experiência desmistificou o vestibular e mostrou que, quando se dá oportunidade, há notória capacidade de
recuperação e que não se pode sequer
pensar em uma educação superior
pobre para os pobres como solução
para a exclusão, mas sim em oportunidades iguais.
Recentemente, o governo do Estado, por meio da Secretaria de Ensino
Superior, apostou nos cursinhos gratuitos pré-vestibular para alunos do
ensino médio público e, em convênio
com a Unesp (Universidade Estadual
Paulista), passamos a oferecer 3.500
vagas em 21 municípios, dando um segundo passo para colocar mais jovens
egressos do ensino público nas universidades estaduais.
No próximo ano, a secretaria está
preparada para chegar a 7.000 alunos
nesses mesmos campi e iniciar o projeto na região metropolitana de São
Paulo, com um número significativo
de vagas. Como benefício colateral,
remunera-se os alunos universitários, professores dos cursinhos, contribuindo para sua permanência nas
universidades.
Entretanto, isso é ainda muito pouco para resolver o problema da exclusão social e menos ainda o da preparação de cidadãos qualificados e em
quantidade para alavancar o desenvolvimento. Por essas razões, já havíamos planejado, com o atual secretário Carlos Vogt, o terceiro passo,
que é um sistema estadual público,
gratuito e de qualidade de ensino universitário à distância, que poderá aumentar -aí, sim, significativamente- o número de vagas e abrigar jovens que precisam compatibilizar estudo com trabalho.
Esse projeto, no qual estamos atrasados há décadas, torna-se obrigatório diante da tecnologia à disposição.
Esse conjunto de programas objetiva combater também o desemprego
(falta mão-de-obra qualificada) e a
violência, pois jovens ocupados não
são presa fácil de atividade ilícita.
Por tudo isso, se pode perceber como os problemas na área de ensino
superior estavam encobertos e intocados e, uma vez diagnosticados, podem ser resolvidos -com baixo custo.
O programa dos cursinhos custou
aos cofres públicos apenas R$ 1,5 milhão e mostra que a questão da educação não é predominantemente de dinheiro -até porque a vinculação orçamentária a favorece (felizmente)-,
mas de reconstruí-la pedagógica e socialmente em todos os níveis, visando
um desenvolvimento humano e sustentado do país.
JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI, 72, é deputado federal
(DEM-SP), professor emérito da USP e da Unicamp e presidente do Imae. Foi secretário de Ensino Superior (2006-07), da Saúde (1987-91) e da Educação (1986-87) do Estado de São Paulo, secretário da Educação do município de
São Paulo (2005-2006) e reitor da Unicamp (1982-86).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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