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JOSÉ SARNEY
Uma crise anunciada
HÁ MAIS DE um ano que esta
crise da economia mundial
é prevista e anunciada. Há
dez anos escrevi que o entusiasmo
sobre o neoliberalismo era exagerado e que a derrocada do comunismo era um exemplo que lhe deveria servir de alerta.
Mas por trás de todas essas notícias de desastres de Bolsas e mercados existe um fato que não pode
ser desprezado: a economia não é
uma ciência exata e não comporta
dogmas. Assim como o comunismo
ruiu por transformar-se em uma
religião, o capitalismo, com mais
flexibilidade para adaptar-se, não
está isento de sofrer uma debacle.
Primeiro foi a certeza de que
chegáramos ao fim da história, com
a democracia liberal e o livre mercado. Logo começamos a desconfiar de que o mercado resolve muitas coisas, mas não tudo. Por outro
lado, todo o esforço do sistema capitalista é voltado para o lucro, e os
outros valores da sociedade, por
vezes, são deixados de lado. E, se o
lucro é o objetivo, tudo pode ser
feito para obtê-lo. O resultado é
que, com a ausência do Estado regulador, chegamos ao cúmulo de
verificar que o valor nominal da
economia dos papéis é 20 vezes superior à economia real.
O primeiro resultado foi o rompimento da bolha das companhias
"ponto.com", que causou grande
estrago e comeu muitas pequenas
poupanças, principalmente dos
menores investidores, desestruturados para compreender a lógica
dos especuladores. Greenspan
achava que, a partir dali, pouco a
pouco a economia mundial reduziria a especulação para chegarmos a
uma situação mais segura, próxima
da realidade econômica, isto é, do
valor real. Tudo errado.
O mercado é importante para
permitir o exercício da liberdade
econômica, mas, com a complexidade do mundo atual e com a novidade da globalização dos mercados
financeiros, é necessário um novo
modelo. O consenso mundial é que
o de Bretton Woods está decrépito.
Mas continuou a correr solto. A
conseqüência é que as crises afetam a atividade da economia real e
geram desconfiança no sistema. A
instabilidade das taxas de câmbio
leva à especulação e a práticas
questionáveis.
Se me pedissem uma definição
para esta crise diria que é justamente a falta de regulação. O Estado falhou. E o mundo só aprende
levando surras colossais. É preciso
que o Estado seja mais forte para
controlar a relação entre risco e lucro. Se não abrirmos os olhos, o caminho do capitalismo será o mesmo do comunismo: desmoronar-se
por excesso de autoconfiança.
Assim, a atual intervenção do governo americano na economia é a
confissão de que o modelo ruiu.
Não a vejo como providência equivocada, mas como a confirmação
de que o livre mercado sem controle pode ser um suicídio para o
capitalismo.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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