São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 2008

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JOSÉ SARNEY

Uma crise anunciada

HÁ MAIS DE um ano que esta crise da economia mundial é prevista e anunciada. Há dez anos escrevi que o entusiasmo sobre o neoliberalismo era exagerado e que a derrocada do comunismo era um exemplo que lhe deveria servir de alerta.
Mas por trás de todas essas notícias de desastres de Bolsas e mercados existe um fato que não pode ser desprezado: a economia não é uma ciência exata e não comporta dogmas. Assim como o comunismo ruiu por transformar-se em uma religião, o capitalismo, com mais flexibilidade para adaptar-se, não está isento de sofrer uma debacle.
Primeiro foi a certeza de que chegáramos ao fim da história, com a democracia liberal e o livre mercado. Logo começamos a desconfiar de que o mercado resolve muitas coisas, mas não tudo. Por outro lado, todo o esforço do sistema capitalista é voltado para o lucro, e os outros valores da sociedade, por vezes, são deixados de lado. E, se o lucro é o objetivo, tudo pode ser feito para obtê-lo. O resultado é que, com a ausência do Estado regulador, chegamos ao cúmulo de verificar que o valor nominal da economia dos papéis é 20 vezes superior à economia real.
O primeiro resultado foi o rompimento da bolha das companhias "ponto.com", que causou grande estrago e comeu muitas pequenas poupanças, principalmente dos menores investidores, desestruturados para compreender a lógica dos especuladores. Greenspan achava que, a partir dali, pouco a pouco a economia mundial reduziria a especulação para chegarmos a uma situação mais segura, próxima da realidade econômica, isto é, do valor real. Tudo errado.
O mercado é importante para permitir o exercício da liberdade econômica, mas, com a complexidade do mundo atual e com a novidade da globalização dos mercados financeiros, é necessário um novo modelo. O consenso mundial é que o de Bretton Woods está decrépito.
Mas continuou a correr solto. A conseqüência é que as crises afetam a atividade da economia real e geram desconfiança no sistema. A instabilidade das taxas de câmbio leva à especulação e a práticas questionáveis.
Se me pedissem uma definição para esta crise diria que é justamente a falta de regulação. O Estado falhou. E o mundo só aprende levando surras colossais. É preciso que o Estado seja mais forte para controlar a relação entre risco e lucro. Se não abrirmos os olhos, o caminho do capitalismo será o mesmo do comunismo: desmoronar-se por excesso de autoconfiança.
Assim, a atual intervenção do governo americano na economia é a confissão de que o modelo ruiu. Não a vejo como providência equivocada, mas como a confirmação de que o livre mercado sem controle pode ser um suicídio para o capitalismo.

jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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