São Paulo, terça-feira, 19 de outubro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Pranto para o Manduka

RIO DE JANEIRO - Estava fora do Rio quando soube da morte de Manduka, um dos artistas mais perturbadores de sua geração. Filho de Thiago de Mello e da jornalista Pomona Politis, afilhado do poeta Manuel Bandeira, Manduka trilhou um caminho próprio em seu tempo, morando em diversos países -Chile, Venezuela, Alemanha, França, México, Espanha-, sempre compondo ou vivendo algum lance importante.
Na Argentina, fez com Augusto Boal a trilha musical de "A Tempestade", uma adaptação da peça de Shakespeare. Teve diversos parceiros, inclusive Dominguinhos, com quem compôs "Quem me Levará Sou Eu", canção que ganhou um festival da TV Tupi, interpretada por Fagner.
Amigo e devoto de Glauber Rocha, fez a trilha sonora do documentário de Erik Rocha sobre a passagem do cineasta em Cuba. E assinou a trilha de outro documentário importante, sobre José Lins do Rego, de Vladimir Carvalho.
Ultimamente, vinha desenvolvendo estudos de fusão em desenhos de bico-de-pena com lápis de cor e pastel seco, aliados à tecnologia digital. No trivial variado de cada dia, era um grande sujeito em todos os sentidos, sabendo imitar Nelson Rodrigues, Glauber, o próprio pai, com uma perfeição que dava medo.
Certa vez, imitando Glauber em meu escritório, assustou um amigo que entrou de repente e pensou num milagre, custou a acreditar numa imitação, pensou que Manduka era realmente o Glauber redivivo.
Conheci-o criança, de castigo, na editora em que Thiago trabalhava. Manduka ficara em segunda época e o pai levava-o a todos os cantos, obrigando-o a repassar as matérias. O garoto fingia estudar, me olhava com a cara de quem estava perdendo tempo. Um tempo que agora se fechou, para o pai e para o amigo.


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