São Paulo, terça-feira, 19 de outubro de 2010

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VINICIUS MOTA

Polarização à americana

O PSDB é um partido popular. Essa é uma verdade límpida para quem acompanha as disputas presidenciais nos últimos 16 anos.
Não costuma ser expressa desse modo porque, como disse à revista "Veja" o escritor Mario Vargas Llosa, "a esquerda fracassou em tudo, menos no controle da cultura". É custoso desafiar a sentença segundo a qual o PSDB é elitista.
Nenhuma legenda de elite obteria, ao longo de cinco eleições presidenciais sucessivas, duas vitórias e três qualificações para segundo turno -angariando apoio em torno de 40% do eleitorado nas duas vezes em que perdeu.
Eleitores cuja renda mensal familiar supera dez salários mínimos (R$ 5.100) não chegam a 5% no país. De acordo com o Datafolha, Serra é preferido por 36 em cada 100 eleitores na faixa de renda familiar até dois mínimos (R$ 1.000).
Aí está cerca de metade do eleitorado.
No estrato logo acima -de R$ 1.000 até R$ 2.500-, que concentra um terço dos votantes, Serra empata com Dilma.
Como o poder de compra do mínimo é menor no Sudeste, onde o tucano vai melhor, do que no Nordeste, onde prevalece a petista, a disputa no vasto segmento popular é ainda mais apertada.
Considerando esse universo popular -elites fora, portanto-, a fatia de votos de Lula em 2006 e de Dilma em 2010 sobe conforme o poder de compra cai. É cedo para firmar a partir daí o que seria um "padrão petista", pois também foi sólida a maioria tucana obtida nos segmentos de mais baixa renda em 1994 e 1998.
Parece que o partido que traz boas novas -o Real com FHC e o vigor do emprego e da renda com Lula- obtém nas urnas apoio de baixo para cima. A despeito disso, o opositor, PT ou PSDB, possui força e penetração popular suficientes para polarizar a disputa.
Dilma e Serra estão próximos de dividir o eleitorado nacional neste momento. O tucano precisaria tirar da petista cerca de 4 milhões de votos, num total de 100 milhões, para virar. Essa partilha quase salomônica da preferência popular, associada ao histórico da polarização entre PT e PSDB, lembra o padrão eleitoral dos Estados Unidos.
Falta, na comparação, um contraste ideológico mais nítido entre petistas e tucanos. Os primeiros saem na frente e abraçam um paternalismo governamental que vai além da garantia de condições equivalentes de partida entre os cidadãos. O PT dificilmente deixará de ser competitivo assim.
Mas a população brasileira está em transição; a renda dos pobres evolui mais depressa.
O contexto facilita a absorção de ideias como a de que a ascensão social deve ser um prêmio ao esforço do trabalho e do estudo -e de que a interferência do governo, nos impostos e em outros aspectos, deve ser limitada.


VINICIUS MOTA é secretário de Redação da Folha.


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