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TENDÊNCIAS/DEBATES
Gerações e fascinações
ARMEN MAMIGONIAN
Nos anos 70, menos neuróticos
que os atuais, Sérgio Buarque de
Holanda podia advertir os jovens estudiosos sobre os exageros de pensar o
Império como tendo sido dominado exclusivamente pelos senhores de escravos, apontando para a importância dos
grandes comerciantes "exp-import" do
Rio e de outras praças. Seus conselhos
foram ouvidos por alguns, resultando
em pesquisas frutíferas como as de João
Fragoso, entre outros. Nas gerações dos
anos 30 aos anos 70, havia entre os intelectuais um enorme fascínio pelo Brasil
e pela realização científica e artística.
Desde os anos 80, em parte pelo agravamento do mercado de trabalho, grande número de jovens pesquisadores
passou a ter pressa excessiva, incorporando a "angústia da influência" (H.
Bloom) e passando a se considerar gênios incompreendidos diante de qualquer crítica. Infelizmente é o caso do jovem articulista de "Fascínio pelo terror"
(Demétrio Magnoli, "Tendências/Debates", pág. A3, 3/12).
Ao me apontar entre os intelectuais
antiimperialistas convictos, não sei se
para me incluir em alguma lista negra, o
autor é fiel à verdade. Antes mesmo de
ele ter nascido, eu ajudava à instalação
da torre de petróleo simbólica na praça
Ramos de Azevedo, em defesa da Petrobras, na época do lamentável mas necessário suicídio de Getúlio Vargas,
grande patriota e estadista. Também fiquei muito honrado em ser colocado,
imerecidamente, ao lado de Octávio
Ianni, intelectual "sans peur et sans reproche", que nunca frequentou balcões
das fundações científicas estrangeiras
como alguns neoliberais de hoje, esquerdistas de ontem.
Ora, qualquer um sabe que, com toda
a brutalidade dos atentados, Bin Laden
prestou o serviço de desnudar a fragilidade dos EUA. E nisso merece ser saudado. De tanto semear ventos, o imperialismo americano colhe a merecida
tempestade. O que é intolerável para ex-esquerdistas, com a consciência culpada pelo seu passado "pecaminoso", é
que possam existir intelectuais que analisem os sentidos dos atentados históricos de setembro sem ser na sua ótica domesticada. Daí a colocar aspas em frases
reescritas por eles mesmos é um passo.
Há muito tempo os EUA tentam impor sua hegemonia pelo terror.
Não foi terrorismo de
Estado o lançamento das
bombas de Hiroshima e
Nagasaki, com centenas
de milhares de vítimas?
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Não foi terrorismo de Estado o lançamento das bombas de Hiroshima e Nagasaki, com centenas de milhares de vítimas inocentes? Sabemos da morte de
50 mil soldados americanos no Vietnã,
mas temos idéia de quantos milhões de
vietnamitas foram mortos? O indigitado articulista prefere endeusar a democracia americana, na qual de tempos em
tempos dois candidatos do mesmo partido, o do grande capital (Gore Vidal),
disputam a Presidência.
Nos anos 80, no mundo todo, começou a grassar novo capítulo da doença
do anticomunismo, difundida por intelectuais ex-marxistas. No Brasil, a onda
foi capitaneada na mídia por Paulo
Francis e nos meios mais sofisticados
por José Guilherme Merquior. Francis
foi fascinado a vida toda pelo poder. Primeiro, o do seu avô; depois, o de Trótski; e, finalmente, o do mercado. Alucinado pelo sucesso na TV, não teve escrúpulos em plagiar, sem cerimônia,
idéias de outros, como Fernando Jorge
provou em livro. De tanto destilar veneno e ter seu trabalho explorado a preço
barato, acabou morrendo e imediatamente substituído por um clone.
Merquior foi outro "gênio" de curta
duração, até que teve seus conhecimentos superficiais sobre a cultura grega
desmascarados por M. Vieira de Mello.
O que esperar dos jovens intelectuais
de hoje? Todos nós estamos destinados
a retornar ao pó do qual viemos e, por
isso, não devemos nos fascinar pela fama fácil nem pelo dinheiro. Devemos
assumir o "per aspera ad astra" da sabedoria latina. Isso quer dizer que o articulista não deve destilar sua raiva sobre
M. Correia de Andrade, geógrafo reconhecido internacionalmente, só porque
seus livros didáticos não foram aprovados pela comissão julgadora do MEC,
atacando intelectuais de esquerda para
aparecer, como escada para a fama.
Gastaria mais honestamente seu tempo corrigindo os erros, equívocos e preconceitos que não apareceriam antigamente nas coleções de Aroldo de Azevedo e Delgado de Carvalho.
"Ou nos locupletamos todos ou se restabeleça a moralidade" (Millôr).
Armen Mamigonian, doutor pela Universidade de Estrasburgo, é professor de geografia econômica na USP.
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