São Paulo, quarta-feira, 19 de dezembro de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Gerações e fascinações

ARMEN MAMIGONIAN

Nos anos 70, menos neuróticos que os atuais, Sérgio Buarque de Holanda podia advertir os jovens estudiosos sobre os exageros de pensar o Império como tendo sido dominado exclusivamente pelos senhores de escravos, apontando para a importância dos grandes comerciantes "exp-import" do Rio e de outras praças. Seus conselhos foram ouvidos por alguns, resultando em pesquisas frutíferas como as de João Fragoso, entre outros. Nas gerações dos anos 30 aos anos 70, havia entre os intelectuais um enorme fascínio pelo Brasil e pela realização científica e artística.
Desde os anos 80, em parte pelo agravamento do mercado de trabalho, grande número de jovens pesquisadores passou a ter pressa excessiva, incorporando a "angústia da influência" (H. Bloom) e passando a se considerar gênios incompreendidos diante de qualquer crítica. Infelizmente é o caso do jovem articulista de "Fascínio pelo terror" (Demétrio Magnoli, "Tendências/Debates", pág. A3, 3/12).
Ao me apontar entre os intelectuais antiimperialistas convictos, não sei se para me incluir em alguma lista negra, o autor é fiel à verdade. Antes mesmo de ele ter nascido, eu ajudava à instalação da torre de petróleo simbólica na praça Ramos de Azevedo, em defesa da Petrobras, na época do lamentável mas necessário suicídio de Getúlio Vargas, grande patriota e estadista. Também fiquei muito honrado em ser colocado, imerecidamente, ao lado de Octávio Ianni, intelectual "sans peur et sans reproche", que nunca frequentou balcões das fundações científicas estrangeiras como alguns neoliberais de hoje, esquerdistas de ontem.
Ora, qualquer um sabe que, com toda a brutalidade dos atentados, Bin Laden prestou o serviço de desnudar a fragilidade dos EUA. E nisso merece ser saudado. De tanto semear ventos, o imperialismo americano colhe a merecida tempestade. O que é intolerável para ex-esquerdistas, com a consciência culpada pelo seu passado "pecaminoso", é que possam existir intelectuais que analisem os sentidos dos atentados históricos de setembro sem ser na sua ótica domesticada. Daí a colocar aspas em frases reescritas por eles mesmos é um passo.
Há muito tempo os EUA tentam impor sua hegemonia pelo terror.


Não foi terrorismo de Estado o lançamento das bombas de Hiroshima e Nagasaki, com centenas de milhares de vítimas?
Não foi terrorismo de Estado o lançamento das bombas de Hiroshima e Nagasaki, com centenas de milhares de vítimas inocentes? Sabemos da morte de 50 mil soldados americanos no Vietnã, mas temos idéia de quantos milhões de vietnamitas foram mortos? O indigitado articulista prefere endeusar a democracia americana, na qual de tempos em tempos dois candidatos do mesmo partido, o do grande capital (Gore Vidal), disputam a Presidência.
Nos anos 80, no mundo todo, começou a grassar novo capítulo da doença do anticomunismo, difundida por intelectuais ex-marxistas. No Brasil, a onda foi capitaneada na mídia por Paulo Francis e nos meios mais sofisticados por José Guilherme Merquior. Francis foi fascinado a vida toda pelo poder. Primeiro, o do seu avô; depois, o de Trótski; e, finalmente, o do mercado. Alucinado pelo sucesso na TV, não teve escrúpulos em plagiar, sem cerimônia, idéias de outros, como Fernando Jorge provou em livro. De tanto destilar veneno e ter seu trabalho explorado a preço barato, acabou morrendo e imediatamente substituído por um clone.
Merquior foi outro "gênio" de curta duração, até que teve seus conhecimentos superficiais sobre a cultura grega desmascarados por M. Vieira de Mello.
O que esperar dos jovens intelectuais de hoje? Todos nós estamos destinados a retornar ao pó do qual viemos e, por isso, não devemos nos fascinar pela fama fácil nem pelo dinheiro. Devemos assumir o "per aspera ad astra" da sabedoria latina. Isso quer dizer que o articulista não deve destilar sua raiva sobre M. Correia de Andrade, geógrafo reconhecido internacionalmente, só porque seus livros didáticos não foram aprovados pela comissão julgadora do MEC, atacando intelectuais de esquerda para aparecer, como escada para a fama.
Gastaria mais honestamente seu tempo corrigindo os erros, equívocos e preconceitos que não apareceriam antigamente nas coleções de Aroldo de Azevedo e Delgado de Carvalho.
"Ou nos locupletamos todos ou se restabeleça a moralidade" (Millôr).


Armen Mamigonian, doutor pela Universidade de Estrasburgo, é professor de geografia econômica na USP.


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