São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Uma surra no consumidor

GUSTAVO LEME


Com as mudanças no projeto de lei sobre o mercado de TV por assinatura, uma série como "Os Simpsons" pode ter que mudar para "Os Silvas"


Está no Senado o projeto de lei nº 116, que, na Câmara, se chamava PL-29. Você já deve ter ouvido falar dele: o projeto de lei permite que as empresas de telecomunicações atuem no mercado de TV por assinatura, o que é bom. Aumentam os investimentos no setor, aumentam as ofertas, aumentam os assinantes; até aí, tudo bem.
O problema é que, desde 2007 -quando foi relatado pelo deputado Paulo Bornhausen-, sofreu modificações. A principal delas está no seu quinto capítulo, que determina cotas para a produção nacional.
A esta altura, você deve estar pensando: claro, o autor deste texto trabalha em TV por assinatura e obviamente vai defender seu negócio contra a produção nacional. Não é verdade! Quero colocar aqui claramente do que se trata, para que o leitor forme seu próprio juízo.
Os canais deverão ter 3,5 horas por semana de programação nacional independente durante o horário nobre (que ainda não está definido na lei). A consequência disso é que você vai deixar de ver algum filme ou série, que terá de ser substituído por um produto nacional.
Talvez "Os Simpsons" se tornem "Os Silvas", "Two and a Half Men" seja "Apenas Dois Caras" (a outra "metade" foi cortada, porque saía muito caro). Não é isso que eu quero ver na minha TV, isso não foi combinado com o consumidor.
Os programadores não são contra a produção nacional, que fique bem claro. Já foram investidos milhões em várias produções nacionais, há muitos anos.
Podemos citar histórias de sucesso em quase todos os canais. Mas foram desenvolvidos de acordo com as necessidades de cada canal, e não impostos por cotas.
O mercado é o melhor regulador para as demandas de produção nacional: não é necessária a interferência governamental, uma vez que a produção está crescendo.
O modelo dos canais internacionais de TV paga não nasceu para contemplar produções, uma vez que tem seu custo muito baixo, se comparado com os canais de TV paga nacionais -que são muito mais caros, justamente por terem muito mais produção local. Se formos forçados a inserir esse volume de produção, também seremos forçados a aumentar nossos preços.
Os operadores, por sua vez, serão forçados a repassá-los ao consumidor, que levará a segunda pancada.
Infelizmente, não é só isso. As operadoras de TV serão obrigadas a ter um canal nacional para cada três internacionais.
Sabe aquele canal em que você gosta de assistir às corridas de carro de madrugada? O canal que tem aquele cara que viaja o mundo? O que tem aquelas receitas do chef de cozinha superengraçado? E aquele que tem o reality show da reforma das casas que nos faz chorar?
Alguns desses canais vão ser trocados por um canal qualquer. Claro, agora os produtores independentes terão a chance de colocar no ar aqueles documentários que fizeram na época da faculdade, quando foram para a Amazônia tomar um chá do Santo Daime.
Essa á a terceira pancada no consumidor -alguém perguntou se queremos isso? De novo: os programadores que perderem seu espaço nos pacotes serão forçados a reajustar preços -e os operadores, forçados a repassá-los mais uma vez. Quarta pancada. Coitado do consumidor. Vai tomar uma baita surra.

GUSTAVO LEME, 48, vice-presidente sênior e diretor-geral da Fox Latin American Channels no Brasil, é diretor da Associação Brasileira dos Programadores de TV por Assinatura.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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