São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

O santo do dia

RIO DE JANEIRO - Sem entender muito do assunto, sempre estranhei as diferentes formas de tortura e martírio que os homens inventaram para punir aqueles que não pensam com a circunstancial maioria de determinada sociedade.
O exemplo mais conhecido, mas me parece que atualmente desativado, é a crucificação. São poucos os crucificados na história -o mais conhecido até hoje é crucificado todos os dias com os nossos pecados.
São Lourenço foi assado como um frango na brasa, são Paulo, degolado como uma galinha. Alguns foram queimados em fogueiras, outros foram enterrados vivos, afogados, estripados. A imaginação do homem é fértil quando se trata de castigar outros homens.
Hoje é Dia de São Sebastião. Não tenho certeza, parece que é o único mártir cristão que morreu flechado. Sua imagem é impressionante, o corpo atlético e nu varado de flechas -a simbologia fez dele, paradoxalmente, padroeiro da cidade do Rio de Janeiro e ícone dos homossexuais.
Explica-se: os portugueses avistaram aquilo que pensavam ser a foz de um rio, largo como o Tejo quando desemboca no Atlântico. E, como era janeiro, e Dia de São Sebastião, chamaram o lugar de São Sebastião do Rio de Janeiro. Simples.
Mais complicada é a atração que os homossexuais criaram pelo santo, um centurião romano que se negara a queimar incenso aos ídolos pagãos. Colega dele, são Quadrato era também centurião, foi martirizado, mas não colou. Ignoro a existência de qualquer devoto dele.
Já ouvi algumas teorias sobre a empatia que os homossexuais têm pelo santo. São filhos de Deus, como os heterossexuais, e um dos pontos positivos de nosso tempo é a aceitação da homossexualidade como direito de qualquer pessoa humana.
Admiro os devotos do santo, mas não pertenço à legião de seus admiradores. Devoto sou da minha cidade. Só implico quando a xingam de Sebastianópolis. Sou carioca. Sebastianopolitano é a mãe.


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