São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2008 |
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Educação para Todos na encruzilhada
KAILASH SATYARTHI
NO ANO 2000, os líderes mundiais acordaram um conjunto de metas para estimular avanços visando a concretização, até 2015, do previsto no tratado Educação para Todos (EFA, na sigla em inglês, proposto durante o último Fórum Mundial sobre a Educação promovido pela Unesco). As metas do EFA são: ampliar a educação e a assistência à primeira infância; garantir o ensino primário gratuito e obrigatório; promover a aprendizagem e habilidades para a vida; aumentar em 50% a alfabetização de adultos; alcançar a igualdade de gêneros; e assegurar a qualidade em todos os níveis de ensino. Entretanto, pesquisas recentes mostram que, a meio caminho de 2015, os governos ainda estão deixando de atender às crianças e aos adultos analfabetos. Existem 774 milhões de adultos desprovidos do grau mais rudimentar de alfabetização e 72 milhões de crianças -mais da metade das quais são meninas- estão fora da escola. Quase a metade dessas crianças que não freqüentam a escola vivem em Estados frágeis. As crianças de famílias pobres não têm meios para pagar mensalidades e taxas ainda prevalecentes em mais de 90 países. Muitas precisam trabalhar para ajudar a sustentar suas famílias, freqüentemente em condições desesperadoramente perigosas e insalubres: segundo a Organização Mundial do Trabalho, 111 milhões de crianças trabalham em "atividades de risco". As crianças portadoras de deficiência, as que integram comunidades étnicas minoritárias e as que são doentes de Aids ou soropositivas enfrentam ainda outros obstáculos para chegar à escola. Juntando os dados da ONU e do Banco Mundial a pesquisas alternativas conduzidas pela sociedade civil, a Campanha Global pela Educação (GCE, na sigla em inglês) divulgou no ano passado o relatório "No Excuses" ("Sem Desculpas"), em que atribui "notas" de A a F a todos os governos, segundo seu desempenho até hoje no tocante à educação. Os governos que obtiveram as melhores "notas" incluem os de Maurício, Letônia e Uruguai, enquanto o fundo da classe é ocupado por Haiti, Somália e Guiné-Bissau. Os países mais ricos também são avaliados quanto ao cumprimento da promessa com relação ao EFA: fornecer assistência adequada e de longo prazo para que as metas sejam alcançadas. Enquanto Noruega e Holanda ocupam o topo desse ranking, os países do G8 são os piores quando se trata de dar o financiamento prometido para a educação, e os EUA são o último colocado em sua "classe do G8". Quando são avaliados dentro da tabela global, o Reino Unido ocupa o quinto lugar, o Canadá, o 36º, a França, o 91º, a Alemanha, o 109º, o Japão, o 124º, e a Itália e os EUA, na 146ª posição, ocupam quase os últimos lugares na classe global. Mas as evidências também indicam que muito pode ser realizado quando os governos priorizam a política educacional. Nos últimos 18 anos, vários países em desenvolvimento conseguiram avanços importantes na ampliação do ensino fundamental. Entre eles estão Costa Rica, Cuba, México, Sri Lanka e Tailândia. E avanços notáveis têm sido conseguidos em alguns dos contextos mais difíceis; milhões de crianças passaram a freqüentar a escola em países como Quênia, Camarões, Botsuana e Burundi, nos quais, nos últimos anos, os governos eliminaram as mensalidades escolares. O Brasil faz parte dos 20 primeiros países do ranking mundial graças aos esforços feitos aqui, sobretudo por meio da pressão de organizações sociais e da sociedade civil e, ainda, de experiências como o Bolsa Família. Com 2015 chegando cada vez mais perto, a GCE leva adiante sua campanha de pressão global e espera que atores como os movimentos sociais brasileiros e líderes como o presidente Lula continuem a dar um bom exemplo e a defender a causa do bem global nessa questão de importância tão vital. Acreditamos que as histórias de êxitos vão inspirar outros líderes de países em desenvolvimento a redobrar seus esforços. Também estamos convencidos de que mostrar o que pode ser conseguido com a vontade política certa, respaldada por recursos, pode envergonhar os doadores, levando-os a cumprir suas promessas. O ano de 2008 também será o 60º desde a Declaração dos Direitos Humanos da ONU; vamos nos assegurar de que a geração que vai nascer neste ano possa finalmente crescer com a luz e a esperança que a educação traz à vida de cada um. KAILASH SATYARTHI , indiano formado em engenharia eletrônica, é o presidente da Campanha Global pela Educação. Foi o fundador da Aliança do Sul da Ásia contra a Escravidão das Crianças e da Marcha Global contra o Trabalho Infantil. Em 2006, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Roberto Mangabeira Unger: O longo prazo a curto prazo Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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