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Um dragão por vez
Num lance desesperado, Fed imprime dinheiro para produzir inflação e, assim, afastar o risco de depressão econômica
DE TODAS as ações conhecidas para frear a
marcha da crise econômica, parece não
restar nenhuma ao Federal Reserve. O banco central dos EUA
oficializou anteontem sua mais
radical cartada na luta contra a
depressão. Vai imprimir dinheiro, uma montanha de dinheiro.
Nos próximos seis meses, o Federal Reserve se propõe a comprar US$ 300 bilhões -montante equivalente ao PIB da África
do Sul- em títulos de longo prazo do Tesouro americano. É como se um grande comprador isolado, num mercado constituído
de agentes bem menores e pulverizados, tivesse cacife para adquirir 1/5 do que fosse ofertado
no período. Seu poder de interferir no preço da mercadoria seria
incontrastável.
É essa a intenção do Fed. Mas a
mercadoria em questão -obrigações de dívida assumidas pelo
governo- tem as suas peculiaridades. Quando a procura por esses títulos aumenta e eleva, naturalmente, os seus preços, os juros que pagam diminuem.
A intervenção maciça do banco
central americano tem, portanto, o objetivo de diminuir o custo
do dinheiro nos Estados Unidos.
Configura um passo anômalo,
pois a cartilha dos bancos centrais pregava, até então, que sua
intervenção ficasse restrita aos
juros de curtíssimo prazo.Todos
os cartuchos do Fed nesta seara
foram queimados, no entanto,
quando baixou a zero a taxa análoga à nossa Selic.
Outro traço peculiar da operação do Fed diz respeito aos recursos que mobiliza para comprar a dívida do Tesouro. Enquanto cidadãos e empresas se
valem do que deixaram de consumir (poupança) para adquirir
esses ativos, o banco central os
compra literalmente do nada
-ou da sua capacidade, única, de
emitir dinheiro vivo, de acelerar
as prensas da Casa da Moeda.
Mas imprimir dinheiro nessa
velocidade, diz a cartilha, redunda em inflação. O Fed espera que
este aspecto da doutrina econômica não esteja superado, pois
não é outra a sua intenção. Almeja, num golpe desesperado, alterar as expectativas de consumidores, aplicadores e empresários
sobre o futuro, as quais convergiam para a percepção de que os
Estados Unidos estão em face de
uma recessão longa e progressiva -uma depressão, que sempre
implica deflação.
A julgar pela reação inicial, a
ação do Federal Reserve surtiu
efeito. Os juros de longo prazo
nos Estados Unidos baixaram de
patamar; os preços das commodities aumentaram (com o barril
de petróleo voltando ao nível de
US$ 50); Bolsas subiram. O dólar
aprofundou sua desvalorização
no mundo -o que é fundamental
para que a demanda fora dos Estados Unidos ajude a impulsionar a indústria americana, através de suas exportações.
Voltou-se a enxergar, ao menos por ora, uma perspectiva de
inflação nos Estados Unidos, e
não apenas no longo prazo. Os
riscos de essa operação do Fed
dar errado são consideráveis. Se,
por exemplo, a inflação for acelerada demais, oriunda de uma crise de confiança no dólar, as finanças mundiais estarão à porta
de um cataclismo.
Mas os EUA não têm opção.
Precisam enfrentar um dragão
por vez -e o monstro da depressão é o que hoje os assombra.
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