São Paulo, Sábado, 20 de Março de 1999
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DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS

Quatro dissidentes cubanos foram condenados à prisão nesta semana, em razão de um documento divulgado em 1997, no qual criticavam o regime comunista e pediam reformas democráticas. A condenação, criticável sob qualquer ponto de vista, serviu de pretexto para que os EUA justificassem a intransigência quanto ao embargo comercial em vigor desde o início dos anos 60, que mantém a população cubana, em verdade a maior vítima da ditadura de Fidel, atrás de um espesso cordão de isolamento.
Quase ao mesmo tempo, o primeiro-ministro chinês anunciava esperar que as divergências sobre direitos humanos não prejudiquem o caráter amistoso da viagem que fará a Washington, no mês que vem.
Além da repressão a dissidentes, há uma vasta agenda de conflitos que o governo norte-americano procura minimizar. O principal deles tem como pivô a descoberta do furto por espiões chineses, numa base militar norte-americana, de projetos que permitiram, nos anos 80, a fabricação de pequenas ogivas nucleares.
E ainda: a Justiça de Nova York investiga uma rede clandestina que estaria fornecendo a bancos de transplantes norte-americanos, segundo a agência "Reuters", órgãos extraídos de chineses condenados à morte. Foram 1.876 execuções em 1997, segundo a Anistia Internacional.
Por muito menos, Washington e Pequim trocariam insultos nos tempos da Guerra Fria. Agora, prevalece a troca de gentilezas, que contrasta com a má vontade que os Estados Unidos manifestam em relação aos cubanos -aliás, também empenhados, como os chineses, ainda que de forma incipiente, em reformas que minimizem a extensão da propriedade estatal e introduzam componentes de economia de mercado.
Nessa política de dois pesos e duas medidas, há a óbvia importância da economia chinesa, e o potencial que ela oferece aos investidores norte-americanos. É em nome dela que a administração Bill Clinton se prepara para ciceronear o ingresso da China na Organização Mundial do Comércio. O que faz lembrar um belo conto de fadas cujo pano de fundo são os cemitérios de dissidentes.


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