São Paulo, terça-feira, 20 de abril de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Presidente, onde fica a saída?

ROBERTO REQUIÃO

"Onde fica a saída?", perguntou Alice ao gato que ria. "Depende", respondeu o gato. "De quê?", replicou Alice. "Depende de para onde você quer ir."


Lewis Carrol "Alice no País das Maravilhas"

É preciso que o governo da República defina com clareza suas posições (e intenções) em relação ao porto de Paranaguá. Quer privatizá-lo? Pretende dar seqüência à política do governo anterior, passando todas as operações para o setor privado? Ou vai manter a situação congelada, e a cláusula da privatização continuará como que uma espada suspensa, pronta a desabar e decapitar o porto público toda vez que a pressão dos interesses dos operadores privados e das multinacionais forem confrontados?
Tantas interrogações justificam-se. Nada está claro. Quando imagino que as coisas vão tomar determinado rumo, o rumo da mudança surpreende-me com o oposto. A última foi a visita de diretores do Ministério dos Transportes e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários, a Antaq. Depois de coisas e loisas, disso e daquilo, chegam ao cerne da questão: Por que o Porto de Paranaguá continua fechado à soja transgênica? Todos se lembram. No dia 15 de janeiro deste ano, à saída de uma audiência com o presidente Lula e o ministro José Dirceu, autorizado por ambos, disse aos jornalistas que a nossa reivindicação de fazer do Paraná uma área livre de transgênicos havia sido aceita. Estado livre de transgênicos, porto livre de transgênicos.


Caso o governo federal queira que Paranaguá exporte transgênicos, que privatize de vez as operações do porto


O presidente e o ministro mostraram-se sensíveis às nossas argumentações. Entre elas a de que o porto de Paranaguá poderia se transformar numa referência mundial para países interessados em comprar soja pura. Em uma circunstância em que se avolumam argumentos e resistências aos produtos geneticamente modificados, seria tolice abrir mão da vantagem de oferecer produtos puros.
Aprendi com dom Helder Câmara que conversa franca faz bons amigos. É com toda a franqueza que eu pergunto: por que a pressão para o embarque de transgênicos em Paranaguá? Por que a Antaq e o Ministério dos Transportes irmanam-se com a verdadeira coação de operadores, exportadores e multinacionais para que o porto contamine-se com os produtos geneticamente modificados? É desnecessário, é incompreensível, é um casamento entre a ignorância e o entreguismo abrir mão de uma vantagem tão evidente para a aventura do incerto. Mas, caso o governo federal queira que Paranaguá exporte transgênicos, que privatize de vez as operações do porto; não hesite.
Outra falação é quanto ao desempenho do porto. Pois vamos ao desempenho. Comparemos os números de Paranaguá aos de Santos, um porto cujo complexo tem um cais de 18.100 m, contra os 2.616 m de cais do porto paranaense.
De 2002 a 2003, enquanto a tonelagem geral de cargas em Santos aumentou 12,35%, em Paranaguá cresceu 17,7%. No complexo soja, a diferença revela-se ainda maior. Paranaguá, aumento de 13,6%; Santos apenas 7,5%. Soja em grão, Paranaguá, 15,4% e farelos, 7,5%; Santos, soja em grão e farelos, 7,5%. Quanto ao valor (em dólares) das cargas movimentadas, a diferença entre os dois portos também é notável. Enquanto o porto paranaense teve um incremento de 53,8%, Santos cresceu apenas 18,4%. E o crescimento médio nacional foi menor ainda, 12,8%.
Registre-se também que o porto de Paranaguá, no primeiro trimestre do ano, recebeu 1,48 milhão de toneladas a mais que no primeiro trimestre de 2003. Ainda assim não houve filas de caminhões. Administrado com uma boa logística, só houve filas quando agentes e operadores privados resistiram às mudanças. Entre elas, a que acabava com o "mercado spot", isto é, com o embarque de cargas picadas, que transformava o maior porto graneleiro do mundo em um mercadinho.
Hoje o porto tem classificação pública do que exporta, o que garante a qualidade do produto brasileiro. Soja pura, carne sem aftosa ou a doença da vaca louca, frango sem as doenças que hoje assustam todos os mercados.
E o porto de Paranaguá tem balança pública, assegurando aos compradores que não serão fraudados, como acontecia anteriormente. Na época da "privataria", antes de assumirmos o porto, reclamações de importadores de todo o mundo somavam 1.200 no ano. Em 2003, com a firmeza da direção pública do porto, não tivemos nenhuma reclamação de importadores. Essas reclamações, quando existiam em 2002, diziam respeito à qualidade, à quantidade de impurezas e a "erros" quanto ao peso.
Estive com o presidente Lula em todas as suas campanhas presidenciais. Desde o primeiro turno. Ele sempre foi para mim a referência das mudanças, das transformações que há tanto tempo sonhamos e ainda esperamos. No entanto não posso deixar de perguntar: qual é a política do governo do PT para os portos? Para os transgênicos? Acha que os portos devem ser privatizados? Quer assumir a operação de Paranaguá?
Pago um preço, um alto preço, por manter posições que, até hoje, julgava fossem comuns, compartilhadas com o governo federal. Enfrentei um locaute em Paranaguá. Uma greve de patrões. Vi o açodamento dos operadores e das multinacionais. Presenciei, horrorizado, a ação dos oportunistas. Li e ouvi as distorções todas que os fatos tiveram na mídia. Até o presidente do PT meteu sua desajeitada colher.
Na verdade nós temos uma posição muito clara. Não nos preocupa o desgaste provocado pela mídia controlada. Pouco nos importa que grandes interesses distorçam o nosso retrato nos jornais. No entanto estamos perplexos. Enquanto resistimos, não sabemos o que quer o governo do PT.
O que quer o PT?

Roberto Requião, 63, jornalista e advogado, é governador, pelo PMDB, do Paraná.


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