São Paulo, sexta-feira, 20 de abril de 2007

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Padrão inaceitável

Omissão do governo Lula encoraja corporações a fazer chantagem; falta regulamentar o direito de greve no setor público

O DNA SINDICAL do governo Luiz Inácio Lula da Silva está custando caro ao país. Na sua tendência inata para negociar até o que deveria ser inegociável, presidente e ministros incentivam a generalização da chantagem com a tranqüilidade pública como instrumento de pressão por categorias cuja função de Estado é, por ironia, zelar por ela.
Encorajada pela impunidade com que controladores de vôo impuseram o caos nos aeroportos do país, a Polícia Federal (PF) seguiu o exemplo. Uma operação-padrão de agentes lotados na conferência de passaportes ocasionou filas de passageiros medidas em horas e quilômetros.
A mobilização corporativista, além de revolta, plantou também a dúvida na alma de todos: qual seria a confiabilidade desse serviço de segurança quando policiais não seguem o que eles próprios chamam de padrão? Parece óbvio que em uma das duas situações acabem por não cumprir integralmente sua obrigação.
A liderança paredista deve um esclarecimento ao público. Fica dispensada, porém, da franqueza acintosa com que o presidente do sindicato da PF em São Paulo admitiu que as filas servem para "chamar a atenção do governo". Mais uma vez, a chantagem surtiu efeito: uma reunião com sindicalistas foi programada pelo Ministério do Planejamento.
Essa é a pasta, de resto, que é acusada pelos servidores da PF de descumprir um pacto firmado no início de 2006 com Márcio Thomaz Bastos, então ministro da Justiça. Pelo acordo, um reajuste salarial de 60% seria dividido em duas parcelas, mas a segunda -prevista para dezembro- nunca se efetivou, reclamam os sindicatos. Como já surgiu no caso dos controladores de vôo, a acusação de fazer tratos e desrespeitá-los, ao que parece, também tende a generalizar-se.
Sem entrar no mérito de tal reajuste, cabe registrar que a PF representa hoje a elite policial do país. De 9.276 servidores (7.402 policiais e 1.874 na área administrativa), em 2004, seu efetivo conta hoje com 12.989 (9.689 e 3.300, respectivamente). O salário pago à corporação varia entre R$ 4.000 e R$ 15 mil.
Em comparação, um policial civil no Distrito Federal recebe o máximo de R$ 6.000. Um policial militar ganha R$ 2.900 de salário inicial na mesma unidade da Federação, a melhor remuneração de um PM novato no país. Há Estados, como Alagoas e Rio de Janeiro, em que responsáveis pelo policiamento ostensivo arriscam a vida por menos de R$ 900 mensais, no início da carreira. A PF, portanto, está longe de ser mal remunerada.
O governo federal se torna cúmplice do absurdo não só por sua leniência no trato com a categoria mas também -ao lado do Congresso- ao procrastinar a regulamentação do direito de greve no setor público, a exemplo da que existe no privado.
Com regras claras sobre áreas essenciais, nas quais grevistas ficariam obrigados a manter o serviço, ações destemperadas como as da Polícia Federal e as recorrentes paralisações do INSS teriam conseqüências mais graves para as categorias.


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